Vitor Bertini
A história da sexta
Uma estrada para a Lua
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Uma estrada para a Lua

#78 Amigo de seus amigos, arrumou namorada bem longe de casa.

iCloud, 21 de janeiro de 2022.

– Sexta-feira, não?
– Então.

Entre cuidados na vida, livros, goles e beijos, boa leitura e bom fim de semana.


UMA ESTRADA PARA A LUA

Foi só depois do acidente que Gilberto começou, todas as noites, mãos estendidas, a apontar a lua no céu.

Amigo de seus amigos, caseiro, arrumou namorada bem longe de casa. No dia de seu noivado, roupa nova na mala, olhar no horizonte, uma curva e o acidente. Sete meses entre a vida e a morte. 

A família da noiva foi ao hospital, viu, chorou, e nunca mais voltou. A família do noivo foi e ficou, rezando. Gilberto viveu.

Voltou para casa e engordou. Calçava chinelos, caminhava na calçada, cumprimentava os passantes e conhecia os passarinhos. Assim, passava os dias. 

Às vezes, quando alguém parava para ouvir, contava que estivera sete meses em um hotel branco e repetia, atrapalhado, a lista dos remédios que precisava tomar. No fim, piscando e sorrindo, recitava o nome das enfermeiras. 

Às noites, perguntado sobre a lua, dizia que iria para lá, só para namorar. E acrescentava:

– A estrada para a Lua não tem curvas.

Ontem, me informaram a partida do Beto. Foi noivar na Lua.

Vitor Bertini


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  • Este texto é uma ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou situações reais, é só uma coincidência triste;

  • A História da Sexta ainda é um hebdomadário1;

  • Mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão vermelho perdido por aí. Sério.


RESENHAS INSÓLITAS

Lolita, Vladimir Nabokov, qualquer edição. Não perca.

Sem o peso de teses sobre meus ombros e com a certeza de uma vírgula bêbada: Humbert Humbert é um estrangeiro nos USA, anarquista e tarado; Lolita é uma ninfeta e sua paixão. Esta é a história. Ponto. 

Um ponto que não deve interessar a quase ninguém é o fato da classificação bibliográfica do livro ser “romance norte-americano”. Nabokov, russo, escreveu Lolita em inglês e, apesar de declarar que esse talvez fosse seu caso de amor com a língua inglesa, lamentou com a força de uma tragédia pessoal o abandono de seu idioma materno e as possibilidades e nuances que este lhe ofereceria.

Quanto ao livro propriamente dito, aqui vão breves e despretensiosas orientações de uso: 

  • leia o prefácio assinado por John Ray duas vezes. É bom e vai ajudar;

  • navegue com tranquilidade e cuide com as expectativas criadas no primeiro terço da história;

  • vista as roupas de Humbert Humbert, ou qualquer dos seus nomes, e siga os próximos dois terços. Nabokov sabe das suas expectativas e escreveu sobre isso;

  • quando você chegar nos capítulos 35 e 36 sua vida não será mais a mesma.

  • Leia o livro novamente.

Comprei minha edição, um dia, no Sebo Itaim, Rua Clodomiro Amazonas, 112, em São Paulo, ao valor de 2F. Cada F valia R$ 5,00.

Reproduzo um trecho do posfácio “Sobre um livro intitulado Lolita”, assinado pelo autor e que valeria, sozinho, outros 2F.

Reproduzo e, depois, saio correndo.

Não escrevo nem leio obras de ficção com fins didáticos, e, a despeito da afirmação de John Ray, Lolita não traz nenhuma moral a reboque. Para mim, um romance só existe na medida em que me proporciona o que chamarei de volúpia estética, isto é, um estado de espírito ligado, não sei como nem onde, a outros estados de espírito em que a arte constitui a norma.

PS: Vladimir Nabokov e sua esposa eram caçadores de borboletas. Grande parte do livro foi escrito à noite ou em dias nublados, pouco adequados à caça.

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adjetivo
relativo a semana, que se renova a cada semana; semanal.

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