iCloud, 28 de janeiro de 2022.
Olá.
Eu ia dar um aviso “rápido como mãos de mágico”, quando lembrei de uma passagem do Não me abandone - aquele espetáculo de livro. Gosto dela:
“Tony, o mágico, trabalhou no parque até a noite em que um truque mal calculado fez com que ele próprio sumisse. No palco, restaram três galinhas e uma assistente assustada, todas de olhos arregalados e pescoços ágeis, olhando para todos os lados. Nessa noite uma platéia de início perplexa, depois compreensiva e por fim emocionada aplaudiu até que o mágico, chorando, reaparecesse. Tony nunca mais se apresentou.”
Entre avisos esquecidos, textos, goles e beijos, boa leitura e bom fim de semana.
NOVO OESTE, MUITO PRAZER
Novo Oeste é minha cidade natal. Novo Oeste fica a oeste de algum lugar, é quente o tempo todo e tinha, na minha juventude, o melhor muro do mundo para sentar em cima, pensar na vida e comer bergamotas. Tudo isto já foi dito.
O que ainda não foi dito, é que em Novo Oeste existiam dois partidos políticos, duas igrejas, dois clubes sociais, duas rádios, três cemitérios e dois loucos. Além disso, duas opiniões irreconciliáveis. Sempre. Em tudo.
Manoelzinho, o primeiro louco, caminhava inclinado para a frente, olhava para o chão e xingava as formigas. Dormia na rodoviária - sob as bençãos da gerente Iracyna, e ninguém sabia como alimentava-se. De tempos em tempos, junto com um upa, inclinava-se para trás e, parado, olhando pra cima, xingava as nuvens.
O segundo louco atendia por Pedro Cabeça. Pedro Cabeça, dizia-se, morava no mato, na subida do Morro da Cruz; carregava um livro, falava sozinho e, quando podia, jogava pedra nos cachorros de rua.
Certo fim de tarde, naquela hora do dia em que as cidades começam a trocar de roupa, caminhavam na mesma calçada, em sentidos contrários, Manoelzinho e Pedro Cabeça. O notável encontro, quem viu não esquece, fez com que Manoelzinho dissesse upa e, parado na frente do conterrâneo, começasse a gritar contra as nuvens escuras do entardecer. Pedro Cabeça, espantado, olhou pra cima e, na falta de cachorros, começou a jogar pedras em direção aos céus. Quando as pedras começaram a cair, cada um correu para o lado de onde viera.
Alguns dias depois, Manoelzinho morreu.
O terceiro cemitério, o municipal - com capim crescido, sem conservação e sem flores, era reservado para os pobres, para os sem voz e para os sem lado. Lá, Manoelzinho foi velado durante trinta minutos, e enterrado.
No velório, sem saber que morava em Novo Oeste, sozinho, compareceu Pedro Cabeça. Chegou, fez uma reverência, colocou seu livro sobre o caixão e acompanhou, calado, o trajeto até a cova rasa.
Ao ir embora, sem conseguir xingar nada, Pedro Cabeça caminhou inclinado para a frente. No portão do cemitério, surpreso, fez um upa e olhou para o céu. Chovia em Novo Oeste.
Vitor Bertini
Este texto é ficção;
A História da Sexta deixará de ser um hebdomadário1;
Mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão verde perdido por aí.
TAKE A PEEK
Terminado o jogo de cartas, o farmacêutico e o médico jogavam dominó e Ema, mudando de lugar, encostava-se à mesa para folhear a Ilustração. Levava consigo uma revista de modas. Léon sentava-se junto dela, examinavam juntos as gravuras e, no fim das páginas, um esperava que o outro terminasse de ver.
– Madame Bovary, Gustave Flaubert, Editora Abril, 1971
Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.
– Ana Karenina, Leon Tolstoi, Editora Abril, 1971
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adjetivo
relativo a semana, que se renova a cada semana; semanal.
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