Vitor Bertini
A história da sexta
Novo Oeste, muito prazer
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Novo Oeste, muito prazer

#79 Além disso, duas opiniões irreconciliáveis. Sempre. Em tudo.

iCloud, 28 de janeiro de 2022.

Olá.

Eu ia dar um aviso “rápido como mãos de mágico”, quando lembrei de uma passagem do Não me abandone - aquele espetáculo de livro. Gosto dela:

“Tony, o mágico, trabalhou no parque até a noite em que um truque mal calculado fez com que ele próprio sumisse. No palco, restaram três galinhas e uma assistente assustada, todas de olhos arregalados e pescoços ágeis, olhando para todos os lados. Nessa noite uma platéia de início perplexa, depois compreensiva e por fim emocionada aplaudiu até que o mágico, chorando, reaparecesse. Tony nunca mais se apresentou.”

Entre avisos esquecidos, textos, goles e beijos, boa leitura e bom fim de semana.


NOVO OESTE, MUITO PRAZER

Novo Oeste é minha cidade natal. Novo Oeste fica a oeste de algum lugar, é quente o tempo todo e tinha, na minha juventude, o melhor muro do mundo para sentar em cima, pensar na vida e comer bergamotas. Tudo isto já foi dito.

O que ainda não foi dito, é que em Novo Oeste existiam dois partidos políticos, duas igrejas, dois clubes sociais, duas rádios, três cemitérios e dois loucos. Além disso, duas opiniões irreconciliáveis. Sempre. Em tudo.

Manoelzinho, o primeiro louco, caminhava inclinado para a frente, olhava para o chão e xingava as formigas. Dormia na rodoviária - sob as bençãos da gerente Iracyna, e ninguém sabia como alimentava-se. De tempos em tempos, junto com um upa, inclinava-se para trás e, parado, olhando pra cima, xingava as nuvens.

O segundo louco atendia por Pedro Cabeça. Pedro Cabeça, dizia-se, morava no mato, na subida do Morro da Cruz; carregava um livro, falava sozinho e, quando podia, jogava pedra nos cachorros de rua.

Certo fim de tarde, naquela hora do dia em que as cidades começam a trocar de roupa, caminhavam na mesma calçada, em sentidos contrários, Manoelzinho e Pedro Cabeça. O notável encontro, quem viu não esquece, fez com que Manoelzinho dissesse upa e, parado na frente do conterrâneo, começasse a gritar contra as nuvens escuras do entardecer. Pedro Cabeça, espantado, olhou pra cima e, na falta de cachorros, começou a jogar pedras em direção aos céus. Quando as pedras começaram a cair, cada um correu para o lado de onde viera.

Alguns dias depois, Manoelzinho morreu.

O terceiro cemitério, o municipal - com capim crescido, sem conservação e sem flores, era reservado para os pobres, para os sem voz e para os sem lado. Lá, Manoelzinho foi velado durante trinta minutos, e enterrado.

No velório, sem saber que morava em Novo Oeste, sozinho, compareceu Pedro Cabeça. Chegou, fez uma reverência, colocou seu livro sobre o caixão e acompanhou, calado, o trajeto até a cova rasa.

Ao ir embora, sem conseguir xingar nada, Pedro Cabeça caminhou inclinado para a frente. No portão do cemitério, surpreso, fez um upa e olhou para o céu. Chovia em Novo Oeste.

Vitor Bertini


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  • Este texto é ficção;

  • A História da Sexta deixará de ser um hebdomadário1;

  • Mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão verde perdido por aí.


TAKE A PEEK

Terminado o jogo de cartas, o farmacêutico e o médico jogavam dominó e Ema, mudando de lugar, encostava-se à mesa para folhear a Ilustração. Levava consigo uma revista de modas. Léon sentava-se junto dela, examinavam juntos as gravuras e, no fim das páginas, um esperava que o outro terminasse de ver.

Madame Bovary, Gustave Flaubert, Editora Abril, 1971

Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.

Ana Karenina, Leon Tolstoi, Editora Abril, 1971

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Botão do acaso

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1

adjetivo
relativo a semana, que se renova a cada semana; semanal.

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