Vitor Bertini
A história da sexta
Velhos elefantes
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Velhos elefantes

#95 São eles que recebem as vibrações do porvir e as transmitem ao vidente.

Nova Délhi, 20 de maio de 2022.

Olá.

Em uma sexta-feira de um tenebroso tempo de perigosas previsões, humanos votos de boa leitura e bom fim de semana.

VELHOS ELEFANTES

Bahadur, Bahadur Pradesch, é supostamente sexagenário, supostamente cego, supostamente indiano, mas, com certeza, é vidente.

Bahadur vive isolado em algum lugar no interior de São Paulo, em companhia de dois pequenos saguis que lhe servem de guias. Guias físicos, para atravessar os acidentados caminhos da vida, e guias sensoriais – são eles que recebem as vibrações do porvir e as transmitem ao vidente, supostamente indiano.

Uma vez por ano, nos dias mágicos que seguem ao Natal, a reclusão de Bahadur é quebrada para receber a visita de um veterano jornalista. Ele vem comemorar os acertos das previsões sobre o ano que sai e recolher, segundo sua pauta, os presságios para o ano que chega. Assim, fiados e confiados na proverbial falta de memória da população, há uma década brindam quedas e ascensões de ditadores, catástrofes naturais, fim de casamentos célebres e toda sorte de costumeiros haveres do dia a dia.

Comemorações findas, hora das previsões. Ao ser informado que a pauta para o ano seria futebol, Bahadur trocou um improvável olhar com os saguis que - estranha reação –, arrepiados, em transe, deitaram de barriga para os céus, pernas e braços abertos.

Depois, cabisbaixo, Bahadur começou a caminhar sem rumo. Ante o espanto do amigo repórter, declarou:

– Como os velhos elefantes na hora de sua morte, preciso voltar para casa. Não temos saída, não vai funcionar; sobre assuntos de futebol as pessoas tem memória.

Vitor Bertini


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Certa ocasião, diante do pedido para que compartilhasse um post qualquer, um dos meus filhos ensinou:
– Pai, pedir para compartilhar é como pedir para abraçar terceiros. Não se pede. Se a pessoa quiser, ela abraça.

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Em termos planetários, escrever em português e ficar calado é mais ou menos a mesma coisa.

Ensaios e anseios crípticos, Paulo Leminski, Coleção Gazeta do Povo, Inventa, 2014


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