Vitor Bertini
A história da sexta
O psiquiatra de minha mãe
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O psiquiatra de minha mãe

#76 Hoje é segunda-feira. Sábado, no enterro de minha mãe, conheci seu psiquiatra.
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Olá.

Hoje é sexta-feira. Ontem, dia seis de janeiro, comecei a escrever minhas resoluções de fim de ano em uma cartinha ao Papai Noel.

Gosto do formato: querido Papai Noel, meu nome, sou de tal cidade e me comportei o ano inteiro. Segue pequena lista de resoluções. Obrigado.

Apesar do padrão estabelecido, iniciei a carta com uma pequena digressão: 

“Entendo que resoluções de Ano Novo não sejam, exatamente, uma especialidade sua - mais próxima de compensações imediatas e vinculadas a comportamentos passados do que a quaisquer trabalhos, promessas ou decisões futuras.

Mas, também entendo que o senhor, dada a seriedade e aparente compreensão geral das coisas, não se furtaria de olhar minha breve lista e, se alguma resolução estiver em sua área de influencia, ajudar - ou até resolver. Sem constrangimentos.”

E comecei a lista:

“Fazer do conjunto de textos de A Histórias da Sexta um livro e publicá-lo; registrar uma editora que vai chamar-se Casa Publicadora Lauro Ignácio; ler muito; ...”

Antes de terminar a redação - e mesmo a lista do pouco que resolvi, recebi uma informação de caráter duvidoso e, se verdadeiro, alarmante: Papai Noel estaria em recesso.

Não terminei a carta, mas rascunhei mais um parágrafo: 

“Com relação ao seu eventual recesso, devo dizer que duvido muito. A propósito, como é o regime de trabalho dos três poderes na Lapônia?”

Alguém sabe informar?

Entre resoluções, textos curtos, goles e beijos, boa leitura e bom fim de semana.


O PSIQUIATRA DE MINHA MÃE

Hoje é segunda-feira. Sábado, no enterro de minha mãe, conheci seu psiquiatra.

Homem discreto, gestos contidos, chegou cedo e usava um chapéu Panamá. Abraçou carinhosamente meu pai, perguntou pelos filhos e foi embora – tão silencioso como havia chegado.

Sempre soube de sua existência, nada mais. Nenhuma palavra ou comentário, apenas a vaga informação que ele a tratava desde sempre. Na única vez em que foi chamado às falas, papai respondeu com voz baixa e sem levantar os olhos da leitura:

– Deixa assim, faz bem pra sua mãe.

Nunca, nenhuma pergunta sobre esse tema recebeu alguma resposta. Sua existência, assim como o verbo no início dos tempos, pairava silenciosa sobre as águas. No caso, sobre todos nós.

Nos breves instantes em que permaneceu no velório, o psiquiatra só trocou mesmo algumas palavras foi com a tia Alice, irmã de meu pai e de quem mamãe não gostava.

Tudo isso foi no sábado. Hoje é segunda-feira, choro meu luto, esqueci o psiquiatra e comprei um chapéu Panamá.

Vitor Bertini


DIÁLOGOS NO BOA, LINHA 211

Shrare é uma palavra derivada do verbo sharear, que, em português, significa compartilhar.
– Sério?

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  • Este texto é ficção. Este texto não é uma ficção;

  • A próxima história, dia 14. Tá?

  • Mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão vermelho perdido por aí. Sério.


FATIAS DE LIVRO

O guarda, que é ao mesmo tempo coveiro e sacristão da igreja (tirando duplo provento dos cadáveres da paróquia), aproveitou o terreno vazio para semear batatas.

Madame Bovary, Gustave Flaubert, Editora Abril, 1971

PS: no dia 12 de dezembro p.p., Flaubert completou duzentos anos.

1

Ônibus urbano, linha 21, que atendia o bairro Boa Vista, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, na década de 1970.

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