As comportas do céu
#200 Durante quarenta dias e quarenta noites a chuva caiu sobre Novo Oeste.
Novo Oeste, 17 de maio de 2024.
AS COMPORTAS DO CÉU
Durante quarenta dias e quarenta noites a chuva caiu sobre Novo Oeste.
Manoelzinho, um dos loucos da cidade, na falta de formigas para seguir e xingar, disse upa, inclinou-se para trás e, olhando para os céus, começou a gritar com as nuvens. Depois, aborrecido, caminhando e apontando um dedo alternadamente em direção à prefeitura e à igreja, resmungou que sentaria na praça até parar de chover.
As águas prevaleceram nas ruas e alagaram Novo Oeste.
A última noite de chuvas encontrou Manoelzinho de alma encharcada, triste, sentado no banco do ponto mais alto da praça central, balançando as pernas enfiadas na água barrenta e ralhando baixinho com os besouros que morriam afogados, traídos pelos reflexos dançantes das luzes da cidade.
As águas permaneceram sobre Novo Oeste cento e cinquenta dias.
Manoelzinho só voltou à praça na primeira noite completamente sem nuvens. Chegou caminhando do seu jeito, inclinado para a frente e, na falta das formigas, na frente do banco em que enfrentara as chuvas, abaixou-se e apanhou um besouro; inclinou a cabeça junto ao punho fechado como quem ouve um segredo e, fazendo seu upa, mirou as estrelas. Depois, decidido, ergueu seu corpo sem tirar os olhos dos céus e elevou suas mãos abertas, oferecendo liberdade para o besouro – o caminho das estrelas.
Inclinado para a frente, Manoelzinho foi embora. Suas lágrimas nunca fizeram mal a ninguém.
Vitor Bertini
Na ronda de seus dias, ao longo de seus caminhos de volta, sorria para os desenhos preservados, retocava as obras mexidas pelo vento e assinava seus pés na lama quando chovia.
– Um dia na vida da pequena Helena, VB
Quando as aguas baixarem, milhares de pés terão assinado a obra de salvar vidas no Rio Grande do Sul – no terrível mês de maio de 2024.