A serenata dos anjos VI
#244 Rindo alto, acelerei o passo; gargalhando, levantei as mãos aos céus.
Revista Brasileira, 14 de março de 2025
A história de hoje — assim como as cinco últimas edições desta publicação — é um trecho de um texto maior, intitulado A Serenata dos anjos, publicado originalmente no aclamado livro A Profeflor, do escritor brasileiro Vitor Bertini.
Isto posto, e com a rara matéria-prima da generosidade, seguem os links para os pedaços anteriores:
A serenata dos anjos I – clique
A serenata dos anjos II – clique
A serenata dos anjos III – clique
A serenata dos anjos IV – clique
A serenata dos anjos V - clique
Faço mais do que gastar meus trocados de generosidade: aviso que na primeira publicação há um esclarecedor texto sobre essa estranha prática de partir o que já foi publicado inteiro.
A SERENATA DOS ANJOS VI
…
Na manhã de outra noite mal dormida, na segunda vez em que precisei confirmar as conversas do pássaro com meu filho, fiz mais simples:
— Bom dia, meu filho.
— Bom dia, meu pai.
— Perdoa as inseguranças do teu pai. Deixa eu fazer uma pergunta, antes da sua mãe aparecer. Sei que é uma demasia; mas, como andam suas conversas com nosso amigo?
Após a conversa, não lembro o tempo em que me obriguei a ficar sentado no banco do jardim, vasculhando os céus. Fiquei até o momento em que ele chegou flanando, silencioso, e pousou ao meu lado. Pousado, ficou quieto um tempo. Depois, já no chão, alternando os olhos no ritmo sincopado de seu pescoço, catou algumas migalhas e ficou me encarando.
— Você sabe que meu filho quer ir pescar?
— Deveria saber? — Reverberou seu pescoço, como na primeira vez em que falamos.
— Se você fala com ele, deveria.
— Você não fala com seu filho? — Provocou um bico aberto, expondo sua língua vermelha.
— Falei, e ele acha que estou doente.
— E não está? — Cantou o pássaro, abrindo as asas sem sair do lugar.
Irritado com a insinuação, comecei a gritar:
— Você não fala com meu filho? Como ele, você também não sabe de nada? Ele diz que não sabe de penas, que não tem ideia sobre o que estou falando. Você sabe quanto isso mexe comigo! Você sabe o quanto você é importante para mim. Tu me conheces há muito tempo! — Gritei. E calei.
Calado, comecei a caminhar, dando voltas e a apontar na direção daquela criatura. Rindo alto, acelerei o passo; gargalhando, levantei as mãos aos céus:
— É isso! Falamos há muitos anos, há muitos anos, e você não envelhece! Você não fica mais velho; você é sempre o mesmo. O mesmo! Você não existe. Nada faz sentido.
Rodopiei até cair em um mundo escuro.
Hoje, acordei melhor. Abri os olhos e sorri. Abri a janela e a brisa me estendeu a mão. Me debrucei na janela, apurei o ouvido e reconheci a doce música que encantava minha mãe, a alegre Serenata dos anjos.
Hoje, acordei muito melhor. Vejo as pessoas lá em baixo me olhando, vejo jardins cuidados, sinto o orvalho das nuvens e acho que em breve o pássaro vem voar comigo. Só aguardo Maria e meu filho acordarem para abanar para eles.
Vitor Bertini
Uma prática muito antiga era comprar livros:
Uma prática antiga é compartilhar textos:
A prática moderna, como a palavra moderna, morreu ontem.
— Ainda se diz bom fim de semana?
— Claro! Fui.