Brasil, 31 de maio de 2024.
Ouço e leio, lá, aqui e ali, notinhas orgulhosas sobre o novel sucesso do Memórias póstumas de Brás Cubas.
Eu, que na modéstia do prólogo do futuro A Profeflor fui buscar inspiração nas recordações do defunto, visto meus óculos de sol e, seguro da vida, copio, ali embaixo, o capítulo que o bruxo intitulou Uma reflexão imoral.
Gosto da frase “porque não se entende bem o que eu quero dizer”.
Bom fim de semana e boa leitura.
VERBO PRENDER
Eu não prendo ninguém, nem poderia
Tu, provavelmente, não prendes
Ela se prende ao Machado, que liberta
Nós não prendemos ninguém, nem poderíamos
Vós, provavelmente, não prendeis
Eles prendem. Não deveriam.
Vitor Bertini
UMA REFLEXÃO IMORAL
Ocorre-me uma reflexão imoral, que é ao mesmo tempo uma correção de estilo. Cuido haver dito, no capítulo XIV, que Marcela morria de amores pelo Xavier. Não morria, vivia. Viver não é a mesma coisa que morrer; assim o afirmam todos os joalheiros deste mundo, gente muito vista na gramática. Bons joalheiros, que seria do amor se não fossem os vossos dixes e fiados? Um terço ou um quinto do universal comércio dos corações. Esta é a reflexão imoral que eu pretendia fazer, a qual é ainda mais obscura do que imoral, porque não se entende bem o que eu quero dizer. O que eu quero dizer é que a mais bela testa do mundo não fica menos bela, se a cingir um diadema de pedras finas; nem menos bela, nem menos amada. Marcela, por exemplo, que era bem bonita, Marcela amou-me..."
– Memórias Póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis