Uma dúzia de rosas
#148 A verdade é que vocês, homens, não enxergam as flores.
UMA DÚZIA DE ROSAS
– Uma dúzia de rosas para o meu amor!
– Obrigada. Coloca elas em um vaso, por favor – agradeceu Maria Lúcia, quase sem levantar o olhar.
– O que foi? Você não gostou?
– Gostei, sim.
– Não entendi – queixou-se Eduardo, encolhendo os ombros e deitando o buquê sobre a mesa.
– A verdade é que vocês, homens, não enxergam as flores. Acham que elas nascem às dúzias e envoltas em papel celofane.
– Só achei que você fosse gostar. Só isso.
– Não é disto que estou falando.
– Então, continuo sem entender.
– Conveniente, não? E correto. Realmente, você não entende nada.
– Passei na florista, vi as flores. Lembrei que você gostava de flores. Ponto. Não sabia que eu precisava fazer um curso de jardinagem.
– Pronto… a hora da ironia!
– Que ironia?
– A minha.
– Ah… Então você realmente gostou das flores?
– A sua.
– Minha o quê?
– Falta de noção com relação às flores.
Eduardo levanta e vai na mesa examinar o buquê. Volta. Senta.
– Noção total: são rosas! Simplesmente rosas.
– Nasceram assim.
– Acho que não. A música fala em ainda em botão. Devem ter nascido botões.
– Volta e faz o cursinho.
– Viu? Não era ironia, era conhecer você.
– Ironia foi o cursinho. Conhecimento, para vocês, é no diminutivo.
– Vocês quem? Eu estava só.
– Onde?
– Na florista.
– Na floresta.
– Começaram os trocadilhos infames.
– Já terminei: vocês não enxergam as flores.
– Me conte o que não enxerguei.
Maria Lúcia levanta-se e coloca o buquê em um vaso com água. Dirige-se às flores:
– Vocês são lindas, viu?
– Ainda não entendi o que não enxerguei.
Maria Lúcia coloca a mão atrás de uma orelha. Gira a cabeça em relação ao buquê e abaixa-se. Fica abaixada cinco segundos. Levantando-se, tira a mão que ajudava a audição e a coloca na cintura. Volta-se de costas para as flores. Olha Eduardo de frente:
– De que cor é o celofane?
– O quê?
– De que cor é o celofane?
– Fala sério.
– Nunca falei tão sério. De que cor é o celofane, Eduardo?
– Maria Lúcia, ok, não são doze rosas. São dez. Faltaram duas, Maria Lúcia. Perdoa. Eu sabia que eram dez. Não tinha mais uma dúzia. Só queria agradar você. Dizer “uma dúzia de rosas” foi uma figura de linguagem!
Maria Lucia sorri. Tira a mão da cintura e ajeita o cabelo. Fica parada:
– E o celofane?
– Pelo amor de Deus, juro que não sei prestei atenção à cor do celofane. Nem se tem laço de fita.
– Você está começando a enxergar.
Maria Lúcia sorri. Caminha até Eduardo e o beija. Eduardo acha que já sabe tudo de flores.
Vitor Bertini
Compartilhar é o novo abraço:
Assinando essa página, você evita uma tragédia e concorre a um canguru:
Me adiciona e falamos.
Me adiciona e eu te conto.
Me adiciona que eu te escuto.
NOTAS ALEATÓRIAS
Tudo ficção. Hoje em dia, até as flores;
Essa página é regida por um estranho algoritmo humano.
O meu chapéu, por favor.
Bom fim de semana.
Baita jogo de diálogo. Ironia x objetividade. Espírito feminino agudo e afiado massacra inteligência linear masculina. Ao final, afeto. Complementares. 👏