Troncos broncos
#106 As folhas mudavam de cor denunciando a passagem do tempo e embalavam meus textos.
Canela, 05 de agosto de 2022.
Eu: Ficaram os troncos broncos.
Alguém: Brancos.
Eu: Broncos! No sentido de não desbastado, não trabalhado; áspero, rugoso, tosco. Não me diga as palavras.
Entre folhas, diálogos lidos, goles e comidinhas, um bj, boa leitura e bom fim de semana.
TRONCOS BRONCOS
Viajei. Fiquei longe de casa por seis semanas. Voltei: o vizinho da frente mutilou seis árvores.
Transformou minhas janelas pintadas com o céu colorido das estações em um deserto azul de ventos e nuvens irreconhecíveis. Podou tudo.
Tudo ele pode. O terreno é dele; as árvores são dele, os galhos e as folhas eram dele. Só a vista e os sonhos eram meus.
As folhas mudavam de cor denunciando a passagem do tempo e embalavam meus textos: as do alto anunciavam chuvas, as do meio dançavam ao sabor dos ventos e as de baixo se deixavam tocar. Em dias de sol ofereciam sombra e murmuravam segredos.
Dignas e belas no alto, caídas emprestavam cores e alma aos aplainados caminhos de pedra (da razão rasteira), e sentimentos ao meu cantar.
Foram-se as folhas. Ficaram os troncos broncos de braços desproporcionais, incapazes de um abraço. Incapazes de um verso.
Viajei, não vi o gesto. Perdi a vista. Os sonhos ainda são meus.
Vitor Bertini
TAKE A PEEK
Vitor,
Muito obrigada pelo autógrafo. Estou lendo seu livro devagar e agradeço, como sempre, a leitura. É certamente "um livro para ser lido muitas vezes". Mon Ami, meu cachorrinho, disse que vai me ajudar, porque duvida que eu vá entender alguma coisa.
Meu interesse pela linguagem e pela escrita é desde sempre. Estudei Letras na universidade, mas ali recebi apenas algumas dicas esparsas. É que dei o azar de na época dominar o estruturalismo, e por isso muitos estudos foram capengas. Caricaturando, no mundo da literatura parecia haver um sujeito que era um pobre diabo, incapaz de entender alguma coisa, não tinha ideia do que fazia - esse era o escritor. Ao sair da universidade, eu tinha apenas fome de leituras, e uma noção cada vez mais forte de que não há caminho das pedras para escrever. Disso você é que deve saber.
Numa carta de John Keats a seus irmãos, encontrei uma frase que me marcou por acentuar a aventura da escrita. Seus textos sempre me lembram o que disse John Keats. A tradução da frase é minha, por isso sujeita a chuvas e trovoadas.
“…várias coisas se ajustaram na minha mente, & de repente me ocorreu qual é a característica que entra na formação de um Homem de Realizações, especialmente em Literatura – refiro-me à Capacidade Negativa [Negative Capability], isto é, quando o homem é capaz de ser entre incertezas, mistérios, dúvidas, sem qualquer irritação que o faça sair em busca dos fatos & da razão…”.
– Excerto de e-mail de uma leitora, agosto de 2022
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SERVIÇO E PEQUENAS OBSERVAÇÕES
Por aqui, tudo é ficção; nenhuma palavra em vão;
O diálogo lá do início é uma homenagem aos dramaturgo norte-americano Edward Albee, autor de Quem tem medo de Virgínia Woolf?
Esse hebdomadário perdeu seu cavalo, continuou andando e vai parir um livro;
Vender é contar histórias;
Antiga mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão verde ou convite em espanhol perdidos por aí.