Trinta de Agosto
#215 As pessoas hoje em dia tem mais interesse em assuntos do diabo do que de informações sobre o céu – disse o desconhecido, enquanto o cão, orelhas altas, sentava na calçada.
Odessa, 30 de agosto de 2024
A vida, a vista cansada, a memória e o calendário tem o prazer de anunciar o espetacular retorno ao picadeiro deste circo pobre de Trinta de Agosto, o cão que senta ao ouvir verdades.
TRINTA DE AGOSTO
Padre Pedro era o pároco da Igreja de São Benedito.
Em uma manhã de segunda-feira, numa roda de senhoras, padre Pedro se queixava da baixa presença de fiéis na missa dominical quando foi interrompido por um homem acompanhado de um cão:
– As pessoas hoje em dia tem mais interesse em assuntos do diabo do que de informações sobre o céu – disse o desconhecido, enquanto o cão, orelhas altas, sentava na calçada.
– Qual o seu nome, meu filho?
– Nasci em vinte e nove de agosto, seu padre.
– Posso saber o que você faz?
– Bebo, seu padre.
– E por que você bebe, filho de Deus?
– Porque se eu afirmar que não bebo e disser tudo o que digo, vão me tomar por louco.
– Entendi… E esse atento cão, é seu?
– Eu ando com ele e ele anda comigo, seu padre, mas não sou o dono dele não.
– Será que ele tem dono?
– É por isso que digo que bebo. Afinal, quem é dono de quem neste mundão de Deus?
– E nome, ele tem um nome?
– Começamos a andar juntos em trinta de agosto, um dia depois de meu aniversário.
– Entendo… Foi você que ensinou ele a sentar assim?
– Normalmente, quando senta, ele é que me ensina!
– Bem… – disse padre Pedro, encaminhando o fim da conversa. – Espero você na Igreja de São Benedito no domingo!
– Padre, tempo virá em que a colheita será igual à semeadura – falou o homem, arregalando os olhos.
Depois de breve silêncio o cão ergueu-se nas quatro patas e os dois, mão e rabo abanando, voltaram a caminhar na direção de onde vieram.
Na manhã seguinte as beatas do padre Pedro faziam compras no bairro e, sem a presença do padre, falavam e falavam. Foi assim que Georgy Butka, o açougueiro, soube da existência de um profeta andarilho que atendia pelo nome de Vinte e Nove de Agosto e andava com um cão. Foi assim também que Bénya Krik, o Rei, soube que precisava encontrar Trinta de Agosto, o atento e sábio cão que sentava ao ouvir verdades.
Vitor Bertini
A novidade era anunciada no bairro, a plenos pulmões, por um anão de três olhos que, com uma reverência, levava sua testa até o chão:
– Venham para Odessa! Venham ser livres! Venham conhecer suas próprias almas! Eu enxergo mais do que vocês! – gritava, fazendo os dois olhos de fora ficarem vesgos. E seguia anunciando:
– Um mundo de luzes, sons, cheiros, fantasmas, fantasias e sonhos; passado e futuro de graça! Só cobramos o presente! – dizia, agora sorrindo.Não me abandone, Vitor Bertini
Odessa também é o lugar em que imaginei ser livre para sentar e escrever o texto de hoje.
Volto logo, antes de sexta, com atrações imperdíveis.
Que diálogo! Sensacional!