São Paulo, 21 de junho de 2024.
Hoje, por muitas razões, reproduzo a resenha que um dia escrevi sobre o livro Lolita, esta maravilha do escritor russo Vladimir Nabokov.
Sem qualquer ponderação de importância na ordem das ditas razões, conto algumas:
Numa destas madrugadas em que o sono foi ver se eu não estava na esquina, me flagrei admirando, emocionado, pela centésima vez, a reprodução do quadro Os comedores de batatas, do grande van Gogh. Foi o suficiente: da memória saltaram as músicas, as esculturas, as fotografias, os filmes, as peças teatrais e os livros que namorei, todos reivindicando as mesmas horas de insônia. Fiz promessas. Reli Lolita.
Depois, gostaria que vocês prestassem atenção, dentro da resenha, no parágrafo que conta sobre os sentimentos do autor por ter escrito Lolita em inglês: quem tem ouvidos, que ouça.
Para finalizar esta breve lista das razões, ainda que pareça que desta me afasto, quero afirmar, como escreveu Nabokov, que não escrevo ficção com fins didáticos – ele fala em “volúpia estética”; eu, em agendas ocupadas. Se é que me entendem.
Boa leitura e bom fim de semana.
In the sleep I can't achieve, the certainty that I write unleashed to deny what denies life, to praise wonder, and to embrace the hard task of building – and to keep dreaming awake.
RESENHAS INSÓLITAS - LOLITA
Lolita, Vladimir Nabokov, qualquer edição. Não perca.
Sem o peso de teses sobre meus ombros e com a certeza das vírgulas bêbadas: Humbert Humbert é um estrangeiro nos USA, anarquista e tarado; Lolita – uma ninfeta – é sua paixão. Esta é a história. Ponto.
Um ponto que não deve interessar a quase ninguém é o fato da classificação bibliográfica do livro ser “romance norte-americano”. Acho interessante: Nabokov, russo, escreveu Lolita em inglês e, apesar de declarar que esse talvez fosse seu caso de amor com a língua inglesa, lamentou com a força de uma “tragédia pessoal” o abandono de seu idioma materno e as possibilidades e nuances que este lhe ofereceria.
Quanto ao livro propriamente dito, aqui vão breves e despretensiosas orientações de uso:
leia o prefácio assinado por um tal de John Ray duas vezes. É bom e vai ajudar;
leia com atenção e cuide com as expectativas criadas no primeiro terço da história;
vista as roupas de Humbert Humbert ou qualquer dos seus nomes e siga os próximos dois terços. Nabokov sabe das suas expectativas e escreveu sobre isso;
quando você chegar nos capítulos 35 e 36 sua vida não será mais a mesma.
Leia o livro novamente.
Comprei minha edição – ah! o tempo – no Sebo Itaim, Rua Clodomiro Amazonas, 112, em São Paulo, ao valor de 2F. Cada F valia R$ 5,00.
Reproduzo um trecho do posfácio “Sobre um livro intitulado Lolita” escrito pelo autor e que valeria, sozinho, outros 2F.
Reproduzo e, depois, saio correndo.
“Não escrevo nem leio obras de ficção com fins didáticos, e, a despeito da afirmação de John Ray, Lolita não traz nenhuma moral a reboque. Para mim, um romance só existe na medida em que me proporciona o que chamarei de volúpia estética, isto é, um estado de espírito ligado, não sei como nem onde, a outros estados de espírito em que a arte constitui a norma.”
PS: Vladimir Nabokov e sua esposa eram caçadores de borboletas. Grande parte do livro foi escrito à noite ou em dias nublados, pouco adequados à caça.
Vitor Bertini
A página que você está lendo é mantida unicamente por seus leitores, sem patrocínios ou publicidade. Se você acha que essas Histórias do Bertini valem um café por mês, aqui vai um botão para tornar isso realidade. Obrigado.
Breve a cores.