Protetor Solar e Livros, 14 de junho, 24ª semana do ano de 2024.
Se eu tiver tempo, volto depois da Maria da Graça.
Boa leitura.
PROVA ORAL
– Bom dia, meu nome é professor Veloso e leciono biologia, física e química. Neste ano, nesta turma, vou ensinar biologia.
Estas foram as primeiras palavras ditas por quem havia entrado na sala em silêncio, trocado olhares com a turma do segundo ano do ensino médio do Colégio St. Ignatius e depositado sobre sua mesa de trabalho dois livros, um lenço e a lista de chamada.
Depois, fez justiça à fama:
– Dizem os corredores desta escola que meu verdadeiro nome é Carranca. Saibam que não dou a mínima; não tenho paciência com bobagens. Einstein já dizia que “onde há um desejo, há um caminho”: nós desejamos conhecimento, construiremos o caminho. Agora, ao trabalho – finalizou, apanhando a lista de presenças e seu lenço.
Antes que os primeiros alunos tivessem seus nomes chamados e fossem identificados, uma pequena tossida anônima e uma discreta mão levantada receberam um par de sobrancelhas erguidas e a atenção pedida:
– Professor?
– Pois não?
– Professor, o senhor leciona biologia para a turma do segundo ano também?
– Não, só do terceiro.
– Pois é … não quero dizer nada, mas esta é a sala do segundo.
Os risos que se seguiram foram simultâneos com a juntada dos livros, e duraram o tempo suficiente para acompanhar os passos do Carranca em direção à porta, enxugando a nuca com o lenço. Pararam no instante em que o professor, voltando um passo, encarou a turma.
No ano seguinte, Maria da Graça – estudante de notas médias, mas excepcionalmente cheia de amigos e popular na escola – foi a última aluna do terceiro ano a buscar assento no primeiro dia de aulas. Sentou na primeira fila.
– Bom dia. Conheço esta turma – saudou o professor de biologia, trazendo dois livros, seu lenço, a lista de presenças e uma cumbuca de vidro.
A seguir, organizou sua mesa, olhou para a turma, respirou três vezes e decidiu:
– Não vamos perder tempo. Antes de qualquer nova matéria, vamos fazer uma pequena avaliação do que restou sobre os conteúdos do segundo ano.
– A senhorita, por favor, venha aqui na frente. Qual o seu nome?
Maria da Graça sorriu – sorriram todos –, levantou evitando os olhares, disse seu nome e teve a certeza de que não sabia, ou não lembrava, de quase nada do que havia sido ensinado nas aulas de biologia durante o ano anterior. Se sabia alguma coisa, era sobre os tais protozoários: a convite de um colega ela havia participado de uma edição do podcast Santo Inácio e tinha se obrigado a decorar tudo sobre “aqueles bichinhos”.
– Por favor, sorteie um ponto – instruiu o professor, alcançando a cumbuca.
Maria da Graça prendeu a respiração, pegou o primeiro papelote que sua mão alcançou e entregou para o inquisidor.
– Mamíferos, dona Maria da Graça. Conte-nos sobre os mamíferos – instruiu um rosto sem sorrisos.
– Mamíferos são grandes animais que mamam – começou, ganhando tempo e lembrando das conversas e risadas no pátio da escola, responsáveis por aquela maldita cadeira na primeira fila.
A seguir, continuou lembrando as consequências de suas amizades, e seus podcasts:
– Muitas vezes estes grandes animais que mamam ficam doentes. Muitas destas doenças são causadas por protozoários. Já os protozoários são classificados em cinco filos principais, com base em características como tipo de locomoção, estrutura celular, modo de nutrição… – e seguiu até parar em pseudópodes, flagelos e cílios.
Terminada a reprodução do podcast, o silêncio da turma só tinha olhares para quem secava a testa com seu lenço.
– Dona Maria da Graça, Einstein também ensinou que “a imaginação é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação circunda o mundo.” Vamos revisar os conteúdos, mas sua nota é dez.
Todos aplaudiram e gritaram ao mesmo tempo. Aplaudindo e gritando ninguém viu o sorriso do carranca ao voltar-se para sentar.
Vitor Bertini
Lembrou de alguém?
Últimos dias na modalidade não percam:
Perdoem, as notícias virão na semana: fiquei conversando com a Maria da Graça.
Bom fim de semana.