Outro homem
#236 Mas, também é verdade, ao contrário do mágico que desaparece em um truque mal calculado, sigo aqui.
No dia 19 de janeiro de 2024, na perspectiva da volta de férias imaginárias, em um local que nomeei Pasárgada para Trás, escrevi o texto que vai abaixo.
OUTRO HOMEM
Terminaram as férias. Sou outro homem.
É verdade que não parei de escrever, ainda que pouco. Mas, também é verdade, ao contrário do cavalo do mágico, que corria em todas as direções ao mesmo tempo, fiquei parado. Nenhum movimento em vão.
Quieto, li bastante; nunca o suficiente. Ulyssses, a aventura anunciada, cumpriu seu destino e seguirá em leitura por mais cem anos.
No mais, alguns goles, os velhos queijos e as funções vitais renovadas.
Ontem, na perspectiva de retomar a vida – e Nelson Rodrigues sorria no além – apontei a vista na direção de casa. Lar, doce lar.
Na chegada, na casa que acolhe e tem cheiro bom, embaixo da porta, em papel timbrado e códigos de barra, singelas lembranças do tempo, em coro, entoaram bem-vindo. Todas em nome do homem que eu era.
Hoje, 17 de janeiro de um ano depois, estacionado em um estado de espírito que poderia chamar de Pasárgada no Porvir, resolvi visitar as memórias e os textos um dia escritos sobre férias — estas miragens — e atualizar seu cantar:
O HOMEM, UM ANO DEPOIS
Não vou tirar férias. Continuo o mesmo.
É verdade que ando escrevendo pouco, menos do que gostaria. Mas, também é verdade, ao contrário do mágico Tony do livro Não me abandone que desaparece em um truque mal calculado, sigo aqui. Procurando um destino para minhas frases.
Ainda assim, atento ao tempo, mesmo com o prejuízo do tempo surrupiado ao teclado, tenho lido em escala industrial. Nunca o suficiente. Ainda esta semana, testemunhei o Brasil dos primeiros textos do Machado sentar para tomar um café com a América judaica do Philip Roth e trocar impressões e sorrisos cosmopolitas. O papo foi no Cosme Velho, no Rio de Janeiro. Sou um privilegiado.
Todas as funções vitais estão preservadas. Amém.
Com pressa pelo tempo já citado, e pelos eternos boletos, sem viajar, vou escrever em outra sala da casa — sempre uma mudança de ares. Vou levar o teclado e os livros. Vou levar ânimo renovado e uma calça de linho branca. Vou procurar um novo ângulo para ver se enxergo esperanças no horizonte.
Depois, na volta à velha sala e de ânimo pós-não-férias, quero escrever um pouco mais. Achar um destino para as minhas frases.
Vitor Bertini
A Profeflor, Vitor Bertini, edição do autor - Esquina do Lombas
Não me abandone, Vitor Bertini, edição do autor - Esquina do Lombas
Um homem verdadeiramente grave não pode gastar menos de dois minutos em tirar o lenço e assoar-se. O Dr. Valença gastava três quando estava com defluxo e quatro no estado normal. Era um homem gravíssimo.
— As bodas de Luís Duarte, Machado de Assis
Na razão das cidades, eu tinha razão. Sou a vítima. Só isso.
— Cinco sentidos e um sapato, Vitor Bertini
Alguém viu meu Borsalino?