Os verbos da vida de Pedro Mortar
#222 Ainda menino, nascido em local para não lembrar, aprendeu o sentido do verbo trabalhar.
Ímpasse, 18 de outubro de 2024.
Ontem, ao escrever a data de hoje, me dei conta de que outubro é, para mim, um mês de poucas lembranças.
Janeiro é o primeiro mês do ano, fevereiro tem carnaval, em março começam as aulas, abril tem ninhos escondidos e chegamos em maio. Maio não vale, eu nasci em maio. Junho é frio e julho tem férias na casa da vó. Agosto? Dizem, desgosto. Setembro é verde e amarelo, novembro tem o dia 15 e, meu Deus, já é quase fim do ano! E então chega dezembro – ah… dezembro é o resumo da vida.
Já o erro na acentuação do local que antecede a data, o Ímpasse, não é um erro. É uma história.
O nome comercial da editora que cumpre o papel de colocar no papel o que me sai da alma é Esquina do Lombas.
O Lombas foi uma casa comercial de gêneros alimentícios que existiu em Porto Alegre, uma cidade ao sul do mundo, durante cinquenta anos. Um universo de cheiros, personagens e histórias.
Certa tarde de temperatura amena, na praça pública que ficava na diagonal da esquina do Lombas, dois cães enfrentavam os prazeres e as angústias de um prolongado “nó copulatório”, quando “Vovô Pistoleiro”, cliente e protagonista de aventuras linguísticas, encostou no balcão dos pães. Antes de pedir seu tradicional “um quarto de quilo de pão d’água”, levantou um indicador e, sobrancelhas erguidas, afirmou para todos ouvirem:
– Ali na praça, neste momento, temos um ímpasse!
Acho que era outubro.
Entre meses e lembranças, goles, queijos e beijinhos sem ter fim, ficam os votos de boa leitura e bom fim de semana.
OS VERBOS DA VIDA DE PEDRO MORTAR
A vida de Pedro Mortar foi uma conjugação de poucos verbos.
Ainda menino, nascido em local para não lembrar, aprendeu o sentido do verbo trabalhar. Brincar, passear e sonhar, todos da primeira conjugação, nem pensar.
– Estudar?
– Você não vai precisar.
Conheceu Clarice e resolveu namorar. Quando ela mostrou seu livro:
– Quem sabe ler?
– Não tenho tempo a perder – respondeu sem pestanejar; e decidiu casar.
Depois, mudar de lugar. Na cidade fez dois filhos e o que sabia, trabalhar. Abriu uma loja; o importante era ganhar.
Ficou rico, famoso, convidado a palestrar. Não tinha o que dizer, precisava inventar:
– O importante é levantar cedo e trabalhar.
Clarice educou os filhos; em casa, Pedro só sabia reclamar.
A filha virou mulher, foi morar longe, se afastar. O filho, ao lado do pai, na loja, o tempo todo foi brigado a sentar.
A esposa, sempre só, na segunda conjugação, foi ler, viver, crer e adoecer. O marido não sabia rezar. Sua mulher ia morrer.
Naquela noite, Pedro Mortar entrou no antigo quarto do casal pela primeira vez desde a briga que ela nunca quis esquecer – trair é verbo da terceira conjugação. Alisou a colcha, cheirou a pashmina, apanhou um livro só para folhear, sentou na cadeira de balanço sem balançar e começou a chorar.
No outro dia, cedo, sem pensar nem sonhar, não conhecia mudar, Pedro fez o que sabia e foi trabalhar.
Vitor Bertini
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.
– O livro e a América, Castro Alves
Falando em livros:
Valor: inestimável
Preço: R$ 60,00 + R$ 10,00 (frete)
Como: PIX 44649397000112 (Esquina do Lombas)
Depois: email bertini.vitor@gmail.com ou WhatsApp 11.98962.5037 com o nome para a dedicatória e o endereço para a remessa
Finalmente: muito obrigado!
Sobre as ilustrações de hoje:
Pedro Mortar: ilustração por ChatGPT respondendo ao prompt “um desenho em preto e branco, estilo vintage, com base na história copiada” (e colei o texto). Gostei.
No verso de Castro Alves: Free Illustrations - Heritage Library