Os livros do seu Oswaldo
#183 Manoelzinho, o primeiro louco de Novo Oeste, caminhava inclinado para a frente, olhava para o chão e xingava as formigas.
Novo Oeste, 26 de janeiro de 2024.
OS LIVROS DO SEU OSWALDO
Manoelzinho, o primeiro louco de Novo Oeste, caminhava inclinado para a frente, olhava para o chão e xingava as formigas. Dormia na rodoviária – sob as bençãos da gerente Iracyna – e ninguém sabia como alimentava-se. De tempos em tempos, junto com um upa, inclinava-se para trás e, parado, olhando pra cima, xingava as nuvens ou conversava com Deus.
Cada cidadão de Novo Oeste frequentava uma das duas igrejas existentes na cidade e falava mal de quem frequentava a outra. Alternando os domingos, Manoelzinho frequentava as duas. Chegava quando todos já rezavam, parava de pé ao lado de um dos últimos bancos e ia embora, inclinado para a frente, no início dos ritos finais.
O casal seu Oswaldo era novo na cidade. Aos domingos, iam à missa: dona Alice, passos curtos, em silêncio e vestida em tons discretos, apoiava-se no braço do marido que, de tragada em tragada, imaginava estar conversando. Depois da liturgia, agradecendo os convites com pequenos acenos de mão e sorrisos, evitavam a roda do cafezinho da igreja e iam para casa.
– Ele veio para fazer a obra do novo mercado – explicava o padre Chico, atendendo a curiosidade dos fiéis enquanto conferia, de longe, se os ventiladores da igreja haviam sido desligados.
– Dizem que ele perguntou se em Novo Oeste não tem uma livraria – atalhou uma das beatas, fazendo olhares e honrando as tradições da cidade.
Em casa, depois da missa, dona Alice vestia colorido, a cozinha era serventia e o jardim uma esperança de brisa; seu Oswaldo tirava a gravata, sentava para ler e suava. Em domingos com futebol do time local, a rotina mudava: a bola ganhava o espaço dos livros, o almoço era no restaurante do Celso – lá na beira da estrada – e dona Alice, de volta ao lar, sozinha, podia passar o café do jeito que gostava.
Em um certo domingo de futebol e calor ainda mais quente, na esperança do vento, dona Alice abriu a casa, desistiu de seu café e buscou abrigo no jardim. Na calçada, aparentemente alheio à temperatura, caminhando na direção do sol, inclinado para a frente e com as mãos cruzadas nas costas, resmungando qualquer coisa e perseguindo uma trilha verde de formigas-carregadeiras, vinha Manoelzinho.
Vindo, não viu a dona da casa sentada no jardim. Viu a porta aberta, a parede da sala coberta de livros e parou. Parado, ainda inclinado, de pescoço torcido e olhos arregalados, Manoelzinho emudeceu. Com um misto de encantamento e susto dona Alice levantou e encostou a porta – só para ouvir um upa e ver Manoelzinho, agora inclinado para trás e de mãos cruzadas na barriga, espiando os livros pela janela aberta.
Decidida a ir fechar a janela, a involuntária anfitriã, agora enternecida com o invertido pêndulo humano, viu sua visita voltar à posição original tão logo abriu a porta para entrar na casa:
– Me espere, preciso fechar a janela; volto com um pedaço de bolo e uma limonada gelada para você.
Foi só muito tempo depois do fim da obra do mercado, já em outros oestes, que dona Alice contou o acontecido para o marido:
– O Manoelzinho não estava mais na frente de casa quando eu cheguei com o lanche. Fiquei triste. Como será que ele se alimentava?
Seu Oswaldo ouviu a história da esposa, deu uma longa tragada, fechou o livro que estava lendo, acarinhou sua capa, deu outra tragada e pensou que tinha respondido.
Vitor Bertini
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