OS LIVROS DO MEU PAI
Meu nome é Mariana, sou estudante de publicidade e terminei, agora mesmo, a melhor apresentação que fiz em toda a minha vida. Hoje é quarta-feira de um agosto qualquer, acho que são 17:00 e estou muito feliz.
A live foi transmitida aqui de casa, do escritório de meu pai. O nome dele é Sérgio Baker Atkinson de Alencar, e o da minha mãe é Lígia.
Foi ela quem me convenceu a usar o escritório dele. Argumentou que a luz era ótima, a acústica seria boa e as madeiras, quadros e livros comporiam bem como cenário. Aceitei. Depois, foi dela também a burocracia para conseguir o alvará - eu não tinha muito assunto com meu pai.
Falando nisto, lá está ele, fazendo tempo, caminhando no jardim. Aqui de cima, da janela do escritório, a vida parece diferente - acho que aplicaram um filtro que elimina ansiedades.
Minha palestra se chama Be Water, e eu tinha certeza que ia dar certo. Comecei com o histórico da fala do Bruce Lee, expliquei o conceito e terminei com alguns exemplos. Funcionou legal.
Só dei uma travada quando o Álvaro, nosso professor, pediu um zoom na prateleira dos livros e começou a ler os títulos em voz alta. A seguir, citando minha própria fala, disse para eu “esvaziar a mente, ser sem forma, ser como a água; me adaptar ao ambiente”, e relacionar o tema com algum dos livros que eu tivesse lido. Os livros do meu pai.
Olhando uma biblioteca, de costas para a câmera, eu conseguia ouvir o silêncio da expectativa de todo mundo. Peguei o primeiro que minha mão alcançou. Corri as páginas até que um círculo vermelho, feito com giz de cera, chamou minha atenção. Parei ali. Voltei a ficar de frente para a câmera e li em voz alta:
– 68 Contos, Raymond Carver. “É agosto. Minha vida vai mudar. Sinto isso.” – Todos riram, inclusive o Álvaro.
Respirei fundo. Larguei os Contos, retornei à estante, e consegui ver um título conhecido: Alice no País das Maravilhas. Repeti a folheada. Outro círculo vermelho e uma frase manuscrita com a letra de papai. Encarei a platéia:
“– Por onde devo começar, por favor, Majestade? – Perguntou o Coelho Branco.
“– Comece pelo começo – disse o Rei gravemente, – e prossiga até chegar ao fim; então pare.
Fiz uma pausa e segui a leitura com a frase manuscrita, “a vida não é assim!” e acrescentei um improviso:
– Assim, é só nosso curso.
Fui muito aplaudida.
É agosto. Minha vida vai mudar. Sinto isso. Amo meu pai e vou lá em baixo dar um beijo nele.
Vitor Bertini