Zundert, 21 de abril de 2023.
Os assinantes deste periódico de textos já sabiam: estou lendo Cartas a Théo – o monumental conjunto de cartas de van Gogh para seu irmão.
Van Gogh não era um escritor e minhas resenhas, por delirantes, não são confiáveis. Logo, what’s the point?
O ponto é que quando van Gogh escrevia, contando as tensões vitais de seu processo criativo, suas inspirações, desejos, dúvidas, angústias, convicções, dificuldades, amores e dores, falando de objetos, mil cores e sentimentos, ele escrevia reservadamente. Ele expunha a alma de suas obras quase falando consigo mesmo – talvez ele fosse o próprio irmão.
Acho que vou mudar o formato dessas conversas por aqui. Estou pensando em pintar cartas. Reservadas.
Entre aquarelas de palavras rápidas e acrílicos de histórias curtas, meus votos de boa leitura e bom fim de semana.
OLINDAS
Olinda e Maria Olinda se conheciam de troca de olhares, acenos de cabeça e informações de terceiros, há muitos anos. Nunca haviam conversado. Coisas da vida.
Moradoras da mesma rua, esposas de seus maridos, mães de seus filhos e donas de suas casas; com lenços na cabeça e casaquinhos para o frio, quando uma vinha, sempre, a outra já tinha ido.
Passaram-se os anos, os filhos ganharam mundo, levaram os netos junto, e os maridos, esta espécie morredoura, cumpriram seus destinos. Em suas casas, cuidando de tudo, ficaram as Olindas.
Certa tarde, diz a história, uma delas, parada na calçada em frente à sua casa, viu a conhecida vir em sua direção, caminhando lenta, cuidando os passos e arrastando os pés.
Veio, parou, levantou o olhar e suspirou:
– Ai, ai.
– Para mim você vai dizer isso? – Respondeu a outra Olinda.
Vitor Bertini
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