O Sucessor
#206 Quando fomos adotados ele já tinha esse nome e eu ainda não sabia quem era Bénya Krik, mas isso é outra história.
Canela, 28 de junho de 2024.
Escrever é reescrever.
– Ernest Hemingway
Não existe esta coisa de escrever bem, existe apenas reescrever bem.
– Robert Graves
O Sucessor é o primeiro capítulo do meu livro Não me abandone – A saga de Bénya Krik, um cão de rua, contada pela família que ele adotou.
Volto na semana – ou a qualquer momento, em edição extraordinária.
Bom fim de semana.
O SUCESSOR
Fomos adotados, eu e minha família, por um cachorro de rua chamado Bénya Krik.
Quando fomos adotados ele já tinha esse nome e eu ainda não sabia quem era Bénya Krik, mas isso é outra história.
O que interessa agora é que Bénya era um cão de rua e que um dia apareceu sentado na soleira de nossa porta. Sentou, temperamento forte, e só saiu dali no momento em que aceitamos ser adotados por ele. Não bastou abrir a porta, Bénya somente entrou com a família toda perfilada a olhar para ele que, sem se fazer de rogado, passou a tropa em revista – nossa vida nunca mais foi a mesma.
Alegre, brincalhão, fiel, leal e esperto como o diabo, assim também era o Bénya. Digo também por que sua principal característica era ser sábio e cruel como um rei – daí o nome Bénya Krik, mas já foi dito que isso é outra história.
Bénya exercia sua majestade intervindo nas brigas de família, sentando ao lado dos que precisavam de consolo, levando para passear quem estivesse com a alma agitada e, diariamente, mostrando com olhares, rosnados e latidos para toda a rua quem era o rei por ali.
Nos últimos tempos Bénya andava cansado e os passeios ficaram cada vez mais raros. Surpreendentemente, duas semanas atrás, Bénya começou a nos levar para passear como há muito não fazia: todos os dias, e com passeios cada vez mais longos.
Essa rotina durou exatos dez dias. Seguiu até o momento em que nosso rei fixou o olhar em um pequenino morador de rua de olhos luminosos. Só sossegou, entre latidos de mando, quando o pequenino cão, escoltado, entrou em nossa casa.
Bénya morreu no dia seguinte.
Agora, temos o Sucessor.
Vitor Bertini
Observações incidentais:
A ilustração de hoje – e o projeto gráfico do Não me abandone – é de autoria do artista Alexandre Flores Torrano;
Às vezes, reescrever é colocar uma vírgula;
Brincadeira bacana para quem não tiver paciência nem esperança nas agendas do locutor que vos fala: coloquem no ChatGPT a pergunta “Afinal, que foi Bénya Krik?”;
Clicando em qualquer Não me abandone (inclusive este) você faz um investimento para quatro gerações. No mínimo;
Assinando esta página hoje, você aproveita a desatenção do autor para com o processo inflacionário.
Não me abandone mudou a história de nosso jornal. Um livro para ser lido várias vezes.
– Marga Tilden, editora geral do Maior Jornal doMundo