O PSIQUIATRA DE MINHA MÃE
Hoje é segunda-feira. Sábado, no enterro de minha mãe, conheci seu psiquiatra.
Homem discreto, gestos contidos, chegou cedo e usava um chapéu Panamá. Abraçou carinhosamente meu pai, perguntou pelos filhos e foi embora – tão silencioso como havia chegado.
Sempre soube de sua existência, nada mais. Nenhuma palavra ou comentário, apenas a vaga informação que ele a tratava desde sempre. Na única vez em que foi chamado às falas, papai respondeu com voz baixa e sem levantar os olhos da leitura:
– Deixa assim, faz bem pra sua mãe.
Nunca, nenhuma pergunta sobre esse tema recebeu alguma resposta. Sua existência, assim como o verbo no início dos tempos, pairava silenciosa sobre as águas. No caso, sobre todos nós.
Nos breves instantes em que permaneceu no velório, o psiquiatra só trocou mesmo algumas palavras foi com a tia Alice, irmã de meu pai e de quem mamãe não gostava.
Tudo isso foi no sábado. Hoje é segunda-feira, choro meu luto, esqueci o psiquiatra e comprei um chapéu Panamá.
Vitor Bertini