O jardim das beatas
#137 As beatas da Paróquia de São Benedito andam sempre juntas e falam mais quando padre Pedro não está presente.
Esperança, 10 de março de 2023.
Derradeiros cinco dias da gestação de um livro. Como no texto abaixo, ajude os desígnios divinos clicando aqui.
O JARDIM DAS BEATAS
Dr. Wilhelm era catedrático de filosofia do direito, usava ternos de corte inglês, lia Kelsen em alemão, gostava de palestrar e, sempre que possível, falava de estranhamentos. Tudo isto já foi dito.
Também já foi dito que ele socorria-se de seu motorista, o Paulão, sempre que precisava ilustrar com alguma “história de espanto” suas conversas sociais. Aquelas histórias que, brincava citando Hamlet, "sendo estranhas, devemos dar-lhes as boas-vindas”.
O que ainda não foi dito é que mais do que ilustrar as rodas de conversas do chefe, o que Paulão gostava de verdade era quando ele conseguia recolher, sozinho e a seu juízo, alguma história que o professor, sorrindo, dissesse que ia incluir no seu repertório.
As beatas da Paróquia de São Benedito andam sempre juntas e falam mais quando padre Pedro não está presente. Quando concordam entre si, fala uma de cada vez. Quando discordam, falam todas ao mesmo tempo.
Quis o destino que Paulão, na volta de uma expedição à livraria preferida do Dr. Wilhelm, terminasse caminhando atrás das beatas – sem a presença do padre e discordando entre si.
– Acho que não devemos misturar as coisas: política é política, religião é religião.
– Penso que não se trata de política, é simples evolução. Evolução da sociedade.
– Involução! Involução fantasiada de virtude! Hipócritas, isso sim.
– Inocentes, não aprenderam nada com a história.
– O tempora, o mores!
Depois de dois quarteirões de falas sobrepostas, no apontar de um dedo indicador, o grupo parou, fazendo silêncio. Curioso, Paulão também parou.
Pararam todos na frente do jardim que Júlio, o jardineiro do bairro – exausto e apoiado no portão entreaberto –, acabara de replantar, regar e varrer.
Entre olhares e suspiros, as opiniões foram unânimes:
– Que maravilha!
– Que lindo!
– Como Deus faz coisas belas!
Sem importar-se com o olhar cansado do jardineiro e sua aparente indiferença, a beata que havia apontado o dedo não deixou de evangelizar:
– O senhor não concorda que Deus faz coisas extraordinárias? – Perguntou.
– Acho que as senhoras têm razão, Deus faz coisas maravilhosas. Mas, as senhoras precisavam ver como estava isto aqui quando Ele estava cuidando sozinho. – Respondeu, tirando o boné e coçando a cabeça.
As beatas, em rápidos passos miúdos, retomaram sua caminhada em direção à Paróquia de São Benedito. Precisavam falar com padre Pedro.
Paulão saiu quase correndo. Precisava contar a história para o chefe. Tinha certeza que ela entraria para o repertório.
Vitor Bertini
Entre vontades divinas e humanos desejos, beijos e queijos, boa leitura e bom fim de semana.
muito bom!
já ouvi outras histórias de um outro Paulão, tb motorista, mas de um presidente de estatal...
hehehe