O especial do dia
#203 Salta um texto sublime de palavras cadenciadas.
Itaguaí, 7 de junho de 2024.
Seja pela inspiração do prólogo que ainda boia em águas sujas, seja pelo simples reconhecimento de um trabalho estupendo, o fato é que tenho mencionado com frequência o livro Memórias póstumas de Brás Cubas. Na civilidade das conversas, com igual frequência recebo referências ao conto O Alienista.
Sem julgamentos, quero crer que o fato deve-se ao ensinamento bíblico de “crescei e multiplicai-vos”: nunca vi tantos Simão Bacamarte mandando por aí.
Boa leitura e bom fim de semana.
O ESPECIAL DO DIA
Salta um texto sublime de palavras cadenciadas, grita o garçom em direção à cozinha.
No calor dos fornos, no seu tacataca apressado, a velha Remington toca seus tons: bastardos inglórios, filhos de uma percanta, primos do Niza, amigos do Pedrada e cachorros da vizinhança. Quem tem ouvidos que ouça; quem tem olhos que leia.
Na comanda anotada: feito! Entregue para quem atende o mundo e à mesa de número tal, o Especial do Dia – insumos de primeira, temperos raros e palavras finas, ao ponto do chefe. Esqueçam o cliente, leitor, coitado, hoje é sexta-feira.
O texto saiu frio, grita o garçom, devolvendo o prato menos duas garfadas.
Comem até sabão, mas o texto querem quente. Lá vai: mataram em Paris, dançaram um tango, leram o Bertini, estudaram no Concórdia e cachorros da vizinhança. Completem o prato – grita quem manda –, coloquem mais duas tacatacas: o mundo em guerra e você, uma fera, braba que eu não escrevo textos coloridos.
Vitor Bertini
Once upon a time, quando ainda fazia calor, estudando em Boston, ao fim de uma noitada de música e cervejas, pegamos um taxi – 5 passageiros, e uma exceção.
Na terceira frase dita pelo motorista, e não entendida por ninguém, uma pequena lição de inglês: am I talking to the walls?
O botão a seguir, em inglês – já quase o verbo charear em português –, promove a generosa ação de compartilhar o garçom.
Este outro botão, de ação ainda mais generosa, é para manter o garçom vivo.
Nada tenho que ver com a ciência; mas se tantos homens em quem supomos juízo são reclusos por dementes, quem nos afirma que o alienado não é o alienista?
– O alienista, Machado de Assis