O dia em que fui apresentado ao Alma Lima
#214 Depois, ao ouvir meu nome e a qualificação de amigo da família, largou o abraço e me estendeu a mão.
Real Gabinete Português de Leitura, 23 de agosto de 2024
O DIA EM QUE FUI APRESENTADO AO ALMA LIMA
Entre uma livraria e outra, no tempo em que se podia ser espirituoso, na rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, apresentado por uma amiga em comum, conheci Alma Lima.
Homem alto, elegante, abriu um sorriso em direção à dama que caminhava em sua direção, trocou de mão o livro que carregava e fez uma reverência antes de abraçá-la. Depois, ao ouvir meu nome e a qualificação de amigo da família, largou o abraço e me estendeu a mão:
– Muito prazer, sou mais um amigo da casa: o Alma Lima.
Minha amiga, filha de uma família de tradição acadêmica e com relações políticas, sabia que havia sido a partir das compras realizadas pelo seu pai na livraria do tio Lima – Livros com Alma – que as relações agora saudadas haviam sido forjadas.
– Tio Lima, nosso amigo. Que surpresa agradável!
– A recíproca é mais do que verdadeira, linda menina. Como estão todos? Como está seu pai?
– Bem! Todos bem! Papai está bem de saúde e de ânimo. É verdade que um pouco ranzinza quando sai para comprar livros: resmunga que sua livraria preferida encerrou as atividades, que não fazem mais livreiros como antigamente, que tem saudades de interlocutores inteligentes, e que não tem notícias do Alma! Agora, já sei. Vou dizer que o tio voltou para a Rua do Ouvidor.
– Não, infelizmente não voltei. Entretanto, há dois meses, faço meu pequeno exercício de vir aqui todos os dias. Mato as saudades das livrarias e encontro amigos. Afinal, não são mais do que quinhentos metros de distância.
– Distância?
– Daqui até a minha mesa na Assembléia Legislativa.
– O senhor está trabalhando na Assembléia?
– Então, depois destes anos todos, das dificuldades financeiras e do fechamento da loja, foi o que o senador, amigo da todos nós, me obrigou a aceitar. Seu pai vai entender.
– Vou contar para ele. Acho que ele vai ficar surpreso, e curioso. O que o senhor faz na Assembléia?
– Ah, minha filha, eu sigo a saga do extraordinário Jean de La Fontaine, um dos mais célebres escritores e fabulistas franceses do século XVII…
– Na Assembléia? Como assim? O tio está na Assembléia escrevendo?
– Não, minha linda, eu ensino os animais a falarem. Seu pai também vai entender.
Foi só muito tempo depois desta apresentação que comprei os direitos autorais da Correspondência de Alma Lima.
Vitor Bertini
Duas formas de participar:
Esta história é uma ficção;
O Real Gabinete Português de Leitura não só não é uma ficção como é uma maravilha - confere lá: https://www.realgabinete.com.br/
Todos os homens, tanto quanto lhes cabe,
criam realidades de sonhos.
– Jean de La Fontaine
Chega por hoje.
PS: La Fontaine escreveu, entre outras fábulas, as clássicas A Cigarra e a Formiga, O Lobo e o Cordeiro, A Lebre e a Tartaruga e O Corvo e a Raposa.
PS1: Just in case.