O cavalo preto
#97 O desagradável das ruas não me diz respeito. Quero ir embora, acelerar o passo, fugir daqui.
Guernica, 3 de junho de 2022.
Não sei desenhar. Não faço um O com um copo: quem pinta, sonha acordado.
Entre pinturas, belos sonhos, queijos e beijos, boa leitura e bom fim de semana.
O CAVALO PRETO
Tudo começou com este enorme cavalo preto caído em meu caminho, com aqueles homens indo embora e com estas mulheres, todas de vestido branco, chegando cada vez mais perto.
Nada sei de cavalos; não reconheço estas mulheres que gritam, puxam seus cabelos e choram, nem os homens que se afastam, carregando porretes.
O desagradável das ruas não me diz respeito. Quero ir embora, acelerar o passo, fugir daqui – e não consigo.
Paralisado, todos me olham. No olhar das mulheres, a dor de mães que perderam filhos; no olhar dos homens que voltam, a perspectiva do mal. Nos olhos do cavalo preto, o horror.
Sinto uma angústia infinita.
O cavalo sua, arfa e sangra. Seu pescoço lateja e brilha. Suas patas coiceiam o ar; sua cabeçorra meneia e só descansa quando as mulheres que choram deitam sobre seu corpo. Nos olhos do cavalo, meu reflexo.
Meu coração dispara. Ofegante, minha boca seca.
Os vestidos brancos ganham manchas vermelhas e os porretes, infinitas formas de dor, apontam para mim. Suo como o cavalo. Minhas pernas, imóveis, contraem-se em espasmos nervosos.
Mãos crispadas, sujas de sangue, buscam meu auxílio; os homens parecem aguardar meus movimentos e o cavalo preto, como em uma Guernica bombardeada, assume o centro do mundo.
O silêncio sobre a Terra e a escuridão do meio-dia é que acompanham meus trêmulos passos em direção àqueles olhos. De joelhos, me abraço no cavalo preto. Quando ele morre, estou só.
Assustado e ofegante, acordo. Ainda deitado, espero o dia clarear.
Vitor Bertini
TAKE A PEEK
A Sra. de Merteuil é uma guia hábil que se compraz em conduzir um carro em meio a rochedos e precipícios, e que só o êxito justifica. É justo elogiá-la, seria imprudente segui-la.
- As relações perigosas, Choderlos de Laclos, Abril Cultural, 1971
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SERVIÇOS
Tudo sonho, sem reclames;
Em breve, quase tudo por aqui vai virar livro. Sugestões?
Livro já publicado do locutor que vos escreve: Não me abandone - a saga de Bénya Krik, um cão de rua, contada pela família que ele adotou. Já leu?
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