Nina
#211 Trocaram sorrisos, palpites sobre livros, apresentaram-se, saíram para tomar café, riram nas confissões de que há tempos não liam nada, sacaram seus celulares e combinaram uma nova conversa.
Marca da Morávia, 2 de agosto de 2024
NINA
Antônio e Margareth tiveram uma paixão avassaladora. Casaram em noventa dias.
Conheceram-se vasculhando uma cesta de promoções, em uma livraria do centro da cidade. Trocaram sorrisos, palpites sobre livros, apresentaram-se, saíram para tomar café, riram nas confissões de que há tempos não liam nada, sacaram seus celulares e combinaram uma nova conversa.
No segundo encontro tomaram mais café, falaram sobre a vida, sobre os livros que haviam comprado e lamentaram a ausência de poesia. Voltaram à livraria, compraram Vinícius e marcaram o primeiro jantar.
No restaurante, pediram pratos iguais e Antônio escolheu o vinho. Sorridentes, entre olhares e gestos, brindaram às livrarias e aos acasos da vida; contaram de suas viagens, dos filmes que assistiram, das músicas que gostavam, silenciaram no primeiro toque de mãos e surpreenderam-se quando “a casa já ia fechar”.
Mais tarde, lendo versos em voz alta, seguiram bebendo vinho, agora no apartamento de Margareth.
Dois meses de leituras, algumas lágrimas, gargalhadas soltas, noites surpreendentes, devaneios sobre o futuro e Antônio não teve dúvidas:
– Marga, você quer casar comigo?
A burocracia consumiu os outros trinta dias.
– Estamos nos conhecendo, enquanto usufruímos as vantagens de um casamento. O resto é medo, convenção social e conveniências – respondia Margareth, sempre que provocada sobre a velocidade dos acontecimentos conjugais.
E foi assim, já casados, aos pouquinhos, que a vida pregressa, velhos hábitos, histórias malucas e gostos menos explícitos de cada um foram sendo contados, ou descobertos. Muito foi conversado sobre as respectivas famílias e suas idiossincrasias, sobre os amigos e suas aventuras – Antônio adorava ouvir as histórias envolvendo as amigas da Margareth –, sobre colegas de infância, escola e trabalho. Também pequenas manias e até velhos romances, revelados em momentos mais íntimos ou descuidados, terminaram, como tinha que ser, por fazer parte da cultura, entendimentos e eventuais desentendimentos do casal.
Um ano depois do cartório, na data de aniversário do casamento, orgulhosos de sua relação, eles tomaram a decisão de reunir em uma festa, pela primeira vez, os amigos e a família. Seria algo singelo, mas ecumênico: todos os grupos deveriam estar representados.
– Capriche na sua lista. A minha já está pronta – falou Antônio.
– Estou terminando – respondeu Margareth, alcançando uma folha com nomes. – Fiz por grupos de afinidades, esta aí é a das amigas.
– Ok – balbuciou o marido, enquanto passava os olhos na pequena relação. – Você não vai convidar a tal Nina? Você conta tantas histórias desta louca – perguntou, curioso e algo desapontado.
– A Nina está viajando – respondeu Margareth, fingindo naturalidade, encerrando sua tarefa e passando outra lista:
– Ó, aí vai o resto.
Antônio ainda não estava preparado para saber a verdade sobre a liberada Nina, a amiga imaginária da Margareth.
Vitor Bertini
Tenho um amigo que fez uma frase maravilhosa: “Bertini, pobre é cheio de ideias.” Tive duas.
A primeira, filha da consciência pesada com relação às correspondências que não respondo, teve o grande Eça de Queiroz e seu livro A correspondência de Fradique Mendes como inspiração: vou inaugurar uma seção de cartas. Respondo aos meus afetos e colo mais algumas figurinhas no álbum do próximo livro. Esplêndido!
A segunda ideia, filha da primeira, foi perguntar a uma destas inevitáveis inteligências que andam por aí, como, afinal de contas, o magistral português natural de Póvoa de Varzim “vendia ou divulgava” seus trabalhos. Na linguagem dessa gente, “segue o fio”:
Eça de Queiroz, um dos maiores escritores portugueses, utilizava diversas estratégias para "vender" seus textos, ou seja, para divulgar suas obras e garantir a sua publicação e leitura.
Algumas das principais formas como ele agia:
Colaboração em jornais e revistas: Eça era um colaborador assíduo de diversos periódicos da época. Seus artigos, crônicas e contos eram publicados em jornais de grande circulação, o que lhe garantia uma ampla divulgação de suas ideias e estilo literário.
Correspondência: Mantinha uma vasta correspondência com amigos, escritores e críticos literários, o que contribuía para a formação de um público leitor interessado em seu trabalho.
Viagens e relações sociais: Eça viajava com frequência para outros países, onde estabelecia contatos com outros escritores e intelectuais, o que ampliava seu círculo de influência e divulgação de suas obras.
Edição de suas próprias obras: Em alguns casos, Eça financiava a publicação de suas próprias obras, buscando garantir a qualidade da edição e a divulgação de seus textos.
Críticas literárias: Além de escritor, Eça era um crítico literário aclamado, o que lhe permitia influenciar a opinião pública sobre a literatura da época e promover seus próprios trabalhos.
Ironia e humor: O estilo irônico e crítico de Eça, presente em muitas de suas obras, atraía um público ávido por novidades e por uma literatura que questionasse a realidade.
Em resumo, Eça de Queiroz era um mestre da comunicação e da divulgação literária. Sua habilidade em escrever textos envolventes, sua vasta rede de contatos e sua personalidade cativante foram fundamentais para o sucesso de sua carreira literária.
Enquanto me dedico a estudar os passos do Eça, ficam dois míseros botões:
Aos que se despedem, meus sinceros votos (sem atas) de um fim de semana repleto de boas leituras, goles, queijos e beijos.
By the way, for those who find English a breeze: You’re welcome!