Nina
#98 No segundo encontro, falaram sobre a vida, sobre os livros que haviam comprado e lamentaram a ausência de poesia.
NYC, 10 de junho de 2022.
Olá.
Patience and Fortitude, Paciência e Coragem na Adversidade, são os nomes dos célebres e icônicos leões que guardam a entrada da Biblioteca Pública de Nova Iorque.
As the world has changed, our lions have been there to see it and be a witness to history —all while remaining a steadfast symbol for what the Library represents: a source of inspiration and strength for all.
– New York Public Library
Entre saudades dos leões que ainda teremos, goles, páginas, beijos e queijos, boa leitura e bom fim de semana.
NINA
Antônio e Margareth tiveram uma paixão avassaladora. Casaram em noventa dias.
Conheceram-se em uma livraria do centro da cidade, vasculhando uma cesta de promoções. Trocaram sorrisos, palpites sobre livros, apresentaram-se, saíram para tomar café, riram nas confissões de que há tempos não liam nada, sacaram seus celulares e combinaram uma nova conversa.
No segundo encontro falaram sobre a vida, sobre os livros que haviam comprado e lamentaram a ausência de poesia. Voltaram à livraria, compraram Vinícius e marcaram o primeiro jantar.
No restaurante, pediram o mesmo prato e Antônio escolheu o vinho. Sorridentes, entre olhares e gestos, brindaram às livrarias e aos acasos da vida; contaram de suas viagens, dos filmes que assistiram, das músicas que gostavam e surpreenderam-se quando “a casa já ia fechar”.
Mais tarde, lendo versos em voz alta, seguiram bebendo vinho, agora no apartamento de Margareth.
Dois meses de leituras, algumas lágrimas, gargalhadas soltas, noites surpreendentes, devaneios sobre o futuro e Antônio não teve dúvidas:
– Marga, você quer casar comigo?
A burocracia consumiu os outros trinta dias.
– Estamos nos conhecendo, enquanto usufruímos as vantagens de um casamento. O resto é medo, convenção social e conveniências. – Respondia Margareth, sempre que provocada sobre a velocidade dos acontecimentos conjugais. E concluía:
– Temos todo o tempo do mundo!
E foi assim, já casados, aos pouquinhos, que a vida pregressa, velhos hábitos, histórias e gostos menos explícitos de cada um foram sendo revelados, ou descobertos. Muito foi conversado sobre as respectivas famílias e suas idiossincrasias, sobre os amigos e suas aventuras – Antônio adorava as histórias das amigas da esposa –, sobre colegas de infância, escola e trabalho. Também pequenas manias e até velhos romances, contados em momentos mais íntimos ou descuidados, terminaram, como tinha que ser, por fazer parte da cultura, entendimentos e eventuais desentendimentos do casal.
Um ano depois do cartório, na data de aniversário do casamento, satisfeitos consigo mesmos, tomaram a decisão de reunir, pela primeira vez, os principais amigos e a família. Seria algo singelo, mas ecumênico: todos os grupos deveriam estar representados.
– Capriche na sua lista. A minha já está pronta – falou Antônio.
– Estou terminando – respondeu Margareth, alcançando uma folha com nomes. – Fiz por grupos de afinidades, esta aí é a das amigas.
– Ok – balbuciou o marido, enquanto passava os olhos na pequena relação. – Você não vai convidar a tal Nina? Você conta tantas coisas desta louca – perguntou, curioso e algo desapontado.
– A Nina está viajando – respondeu Margareth, fingindo naturalidade, encerrando sua tarefa e passando outra lista para o marido: – Ó, aí vai o resto.
Antônio ainda não estava preparado para saber a verdade sobre a liberada Nina, a amiga imaginária de Margareth.
Vitor Bertini
TAKE A PEEK
Em uma manhã de segunda-feira, numa roda de senhoras, padre Pedro se queixava da baixa presença de fiéis na missa dominical quando foi interrompido por um homem acompanhado de um cão.
– As pessoas hoje em dia tem mais interesse em assuntos do diabo do que de informações sobre o céu – disse o desconhecido, enquanto o cão, orelhas altas, sentava na calçada.– Não me abandone, Vitor Bertini, Esquina do Lombas
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