Lanche ajantarado
#103 Valdemar disse ”então”, mais não disse, e começou a montar um sanduíche.
Eros, 15 de julho de 2022.
Olá.
Oswaldo era tio do Niza, amigo do Pedrada, vizinho do Sarampa e, para o que agora interessa, avô da Jurema e homem de memória espetacular .
Reza a história da família que um dia vô Oswaldo estava conversando sobre receitas caseiras – ovos, seus diferentes preparos e preferências – com seu amigo Theo, quando tiveram que interromper a conversa. Theo iria viajar.
Anos depois – coisas do destino – avistaram-se caminhando à beira-mar. Braços abertos, Theo foi o primeiro a falar:
– Depois de tanto tempo, mas como?
– Fritos – respondeu vô Oswaldo.
Entre sorrisos e memórias, beijos e frases curtas, boa leitura e bom fim de semana.
LANCHE AJANTARADO
Valdemar disse ”então”, mais não disse, e começou a montar um sanduíche.
– Diga, Valdemar.
– Diga?
– Valdemar, você nunca diz ”então” para ficar calado. Digamos que eu conheça meu eleitorado.
– Então… – repetiu Valdemar, já de boca cheia, levantando da mesa.
Jurema esboçou um sorriso, desviou o olhar para o relógio bobo do microondas, acompanhou os passos do marido pelo reflexo na porta da adega e começou a servir-se.
O jantar, servido na copa, de jantar tinha o nome - cada membro da família montava seu lanche com as opções trazidas à mesa – e o horário de início, 20h30. Quando o terceiro prato estava lavado, a família havia jantado.
No caminho da cozinha, ainda mastigando, e antes que a esposa mudasse de humor, Valdemar retomou seu assunto:
– Marisa não vem jantar? – Perguntou, terminando de engolir e servindo-se, direto do misturador da pia, um copo com água.
– Água da torneira, Valdemar?
– O que é que tem?
– Tem água servida aqui na mesa, Valdemar. Ninguém nesta casa bebe água da torneira. Nem você. O que é que há?
Valdemar devolveu a água à pia, o copo ao balcão, tomou o rumo de volta à mesa e não sentou.
– Você já falou com nossa filha?
– Como assim? Falo com a Mari todos os dias. Que história é essa? E quer fazer o favor de parar de caminhar feito uma barata tonta? Senta, por favor.
Com os olhos Jurema conduziu o marido até a cadeira, respirou fundo e concluiu:
– Com relação ao jantar, mandei uma mensagem e ela ainda não viu. Deve estar com as amigas. Não me falou nada sobre não jantar em casa.
Depois, suspirou, arrematando:
– Mas, não é sobre o jantar da Mari que você quer falar, certo?
Foi outro olhar da esposa que fez com que Valdemar desistisse de dar uma nova mordida no sanduíche:
– Ela está ficando moça. Acho que você deveria falar com ela.
– Sobre?
– Essas coisas de mulher. Sexo. Os meninos, os cuidados. Sei lá… Não sei como dizer, mas sei bem com o que me preocupo.
– Pois é… Também me preocupa um pouco… Mas, vou ser sincera: por incrível que pareça, não sei bem como falar. Minha mãe nunca falou nada comigo…
– Ju, os tempos são outros. Agora, você é a mãe. Você é mulher e sabe que os tempos são outros. Eu é que não vou falar. Mas, alguém precisa falar. Logo…
Naquela noite, o último prato do jantar, o da adolescente filha Marisa, a Mari, foi lavado às 23h30.
Meses depois, em outro lanche ajantarado, quando novamente só o casal bebia a água que estava à mesa, Jurema voltou às falas:
– Valdemar, falei com a Mari.
– Sobre? – Perguntou Valdemar, distraído, mordendo seu sanduíche.
– Fritos, Valdemar, fritos!
– Sobre sexo? – Exclamou o marido, quase se engasgando.
– Então.
– Muito bem! Muito bem! E o que ela disse?
– Disse que eu preciso me atualizar.
Vitor Bertini
TAKE A PEEK
After what seemed a long time, and just when he thought he was going to drop off, the train began to slow. It came to a stop at a little station outside of Basel. There, a middle-aged man in a dark suit, and wearing a hat, entered the compartment. The man said something to Myers in a language Myers didn’t understand, and then the man put his leather bag up into the rack. He sat down on the other side of the compartment and straightened his shoulders. Then he pulled his hat over his eyes. By the time the train was moving again, the man was asleep and snoring quietly. Myers envied him.
– The compartment, Cathedral, Raymond Carver, Vintage Contemporaries, 2015
.