Irene
#150 Quem conta sobre seu tempo e sua vida são suas mãos fechadas, cruzadas sobre o colo.
Brasil, 9 de junho de 2023.
A história da Irene é a história de uma fotografia, de um corredor de hospital e de dois pães de queijo.
A história da Irene é também a história de uma gente que reconhece gente, respira fundo e levanta a cabeça na porta de saída. Triste, paga o preço. Recuperada, com sorte, cuida dos seus.
Essa semana Irene me ligou:
– Calma, meu filho. Vai passar.
Entre afetos, frases, um cigarro negado, consciência e esperança, meus votos de boa leitura e bom fim de semana.
IRENE
Uma parede branca, uma máscara branca, uma cadeira de rodas, olhos cansados fugindo da foto e um cobertor nas costas. No colo da Irene, sobre outro cobertor, um celular velho e um pequeno embrulho de padaria.
A parede branca é de azulejos e tem um corrimão de aço acompanhando seu comprimento. Os braços da cadeira denunciam sua idade, os da Irene ostentam duas agulhas de borboletas azuis pousadas sobre um esparadrapo branco. Quem conta sobre seu tempo e sua vida são suas mãos fechadas, cruzadas sobre o colo.
Às suas costas, de costas, formando um involuntário par, um laço de jaleco branco veste quem tem cabelos grisalhos e sorte parecida com a sua. Outras duplas acompanham o corrimão até onde alcança a vista – ou o foco. Até o fim dos tempos.
Na imagem, anjos vestidos de azul carregam pranchetas e parecem anotar preces.
Conta a história que Irene, sete horas depois daquela foto, espantou as borboletas, renunciou aos benefícios do aparato que prometia saúde, pediu emprestado um braço de apoio, levantou a cabeça ao passar pela porta de saída, chamou um táxi e foi para casa.
Sentada na banqueta da cozinha, acompanhada da dona da mão que a havia fotografado, suspirou e pediu um cigarro. Diante do silêncio, abriu o embrulho da padaria e comeu os dois pães de queijo. Frios.
Vitor Bertini
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Pensam que imagino – não é verdade –, recordo-me, dizia alguém que sabia compor magistralmente.
– Cartas a Theo, Edição ampliada, anotada e ilustrada LP&M, por Van Gogh, Pierre Ruprecht