Entre o céu e a terra
#229 Nos caminhos contrários entre a mesa dos convidados e o microfone, trocamos sorrisos.
Mundo dos vivos, 6 de dezembro de 2024
Às vezes, converso com mortos:
— Na falta de um texto mais longo, Bertini, publica frases, pensamentos, lembranças ou reflexões. Funciona.
— Obrigado, Millôr.
— As minhas, um dia, chamei de Reflexões sem dor.
— Eu sei, acho que li todas. São ótimas.
— Também acho. Aliás, eu já pensava assim quando estava por aí. Imagina agora, com as indulgências celestiais.
— Você está no céu?
— Boa pergunta, não sei. “É que o céu, vazio de Deus, preserva ainda a glória do mistério infinito. Um dia anuncia o outro, uma noite confirma a outra. Não há verbo, não há palavras, mas há vozes murmurando significados por entre as estrelas.”
— Li este argumento na sua Bíblia do Caos.
— É verdade, está lá.
— Está lá também que “Deus não morreu. Está apenas escondido da polícia”.
— Ah… escrevi isto nos idos de 1970.
— E se fosse hoje?
— Hoje? Hoje eu escreveria: Deus não morreu. Está apenas escondido de alguns juízes.
Saudades do Millor.
Um dia, em uma outra vida, convidado a palestrar para um grupo de estudantes universitários sobre Liderança, abri minha fala citando um antigo provérbio chinês: “líder não é aquele que sobe nas costas de um tigre, aponta para o lado que imagina ser o certo e diz “vamos para lá”; líder é quele que, sabendo para onde o tigre quer ir, aponta na direção da vontade da fera e declara ao mundo: “é para lá que nós vamos.”
A fala depois da minha foi do ex-deputado e ex-Presidente da Câmara Federal, Ibsen Pinheiro. Nos caminhos contrários entre a mesa dos convidados e o microfone, trocamos sorrisos.
Ele abriu sua apresentação dizendo que um homem sábio, não conhecendo nenhum antigo provérbio chinês, inventa um.
Saudades do Ibsen.
Ficamos assim:
— E aí, Bertini, já vais?
— Está ficando tarde.
— Tudo bem? Tudo certinho?
— “Não posso me queixar”.
Em letras miúdas:
Ilustração do tigre feita pelo aplicativo Imagen-Google, com o prompt: A black-and-white vintage drawing of a man point his fingers while riding a tiger;
Fotos dos livros, por Carla Zigon.