DIAGNÓSTICO
Hoje é segunda-feira. Ontem, domingo, decidi escrever um diário.
Hoje é segunda-feira. Acordei. Tomei banho. Fui comprar pão. Comprei um maço de cigarros.
Voltei da padaria. Comecei a passar café. Parti o pão, passei manteiga e mordi um pedaço. Mastigando, acendi um cigarro e fui ao banheiro lavar as mãos; mãos secas, encostei na parede entre a pia e o vaso e traguei profundamente. Fiquei um tempo fumando e olhando a fumaça. Alisei a toalha de rosto e juntei e pendurei a toalha do banho. Voltei à cozinha, apaguei o cigarro, comi pão com salame e tomei duas xícaras de café morno. Na porta da rua, olhei para a sala vazia e peguei outro cigarro — não acendi. Joguei o cigarro fora. Voltei à cozinha e guardei a manteiga e o salame. Tapei o pão. Peguei outro cigarro e devolvi ao maço. Há dois anos eu não fumava. Fui trabalhar.
Fui a pé até a loja. No caminho, acenei para os conhecidos e acendi um cigarro; apaguei na chegada ao trabalho. Atendi no balcão. Fui tomar café na esquina. Fumei. Voltei para o balcão até o fim do expediente.
Sábado, completou uma semana que a Marlene morreu; dois anos depois do maldito diagnóstico. Desde sábado tenho a estranha sensação de me observar ao longe. Lá vou eu, voltando para casa. Parece que choro. Acho que voltei a fumar.
DIAGNÓSTICO II
Vitor é brasileiro e meu amigo. A família de sua mãe é de origem alemã e a do pai, italiana.
Um dia, viajando a trabalho, em Berlim, na portaria do hotel onde estava hospedado, pediu a indicação de um restaurante que fosse frequentado por berlinenses. Não queria um ambiente de turistas.
Indicação aceita e uma caminhada depois, sentado em uma mesa para quatro pessoas, sozinho, ele não demorou a vivenciar, conforme tinha solicitado, os hábitos locais. Duas alemãs, uma de frente para a outra, vieram fazer companhia para seu schnitzel mit fassbier.
Entre garfadas e goles, o incontido espírito brasileiro não tardou a fazer sua apresentação:
— Obrigado pela companhia, meu nome é Vitor de tal e sou brasileiro.
— Nice to meet you.
No seguir da conversa, uma troca de cartões e o primeiro nome da primeira alemã: Ute.
— Úthê — lê o brasileiro em voz alta, só para ver quatro olhos arregalados em sua direção.
— Você não disse que era brasileiro?
— Yes, I am.
— E como você sabe a pronúncia do meu nome? Todo estrangeiro diz Iúth, com pronúncia americanizada.
Diante da explicação de que ele era a terceira geração nascida no Brasil, mas descendente de famílias alemãs e italianas e de que havia passado a infância ouvindo sua avó materna falar em alemão, as fisionomias ficaram sérias:
— Sendo descendente de alemães e italianos, e nascido no Brasil, você não sente falta de uma identidade? Não lhe faltam referências?
— Claro que não — respondeu rindo. — Nunca pensei nestes termos e nunca me senti sem referências. Sou brasileiro.
Depois, já com o digestivo servido, explicou longamente suas certezas sobre o belo futuro reservado ao país em que nascera. Um pouco mais tarde, sorridentes e alimentados, despediram-se.
Ontem, Vitor me ligou:
— Xará, lembra a história daquelas alemãs?
No fim do telefonema, uma constatação: meu amigo anda inquieto com suas antigas certezas.
DIAGNÓSTICO III
Hoje é quarta-feira e recebi um WhatsApp não identificado:
Xará, anota aí e salva o número:
4381 Liberty Oaks Drive
Naples, FL 34119
Collier County
USA
Abração
Vitor
Patrocínio,