Dezesseis dobras
#154 Agora, braço pra trás, olhar pra frente e fé na gente!
DEZESSEIS DOBRAS
João aprendeu a fazer aviõezinhos de papel com o pai. Da mãe herdou a simplicidade, o olhar sereno e algum ceticismo.
Denise sempre quis aprender a tocar piano e já foi catequista. Hoje, coleciona sapatos, tem certezas, é sócia em um promissor escritório de advocacia e diz não ter tempo pra nada.
João e Denise vivem juntos há três anos. João quer casar, Denise diz que também quer e chama o João de marido.
– Acho isso fascinante. – Comentou o pai, vendo o avião de papel planar durante inacreditáveis quinze segundos.
Ao seu lado, olhos fixos no milagre, o menino João:
– Pai, faz um pra mim? – Gritou, enquanto corria para buscar o brinquedo.
– Este é seu, meu filho. Mas, é claro que faço outro. Venha cá! Olhe como é.
Papel retirado de uma pilha de folhas sobre a mesa de trabalho, mãos e dedos firmes, dezesseis dobras, dois cortes nas asas e a esquadrilha estava formada.
– Pai, esse papel é especial?
– Não, meu filho; não é. Especial será todo dia que você fizer eles voarem – respondeu o pai, entregando o novo avião. – Vai, lança este. Segura assim, embaixo, na parte mais pesada. Agora, braço pra trás, olhar pra frente e fé na gente! Isso. Assim. Vai!
Naquela noite, Denise chegou em casa mais tarde e mais séria do que de costume. Entrou, caminhou até a mesa da sala e largou dois envelopes, uma sacola de compras e sua bolsa. Depois, puxou uma cadeira, respirou um minuto, enxugou uma lágrima e tirou os sapatos. Descalça foi até a cozinha, escolheu um vinho, voltou para a sala e chamou o marido:
– João Vitor! – Comandou com voz firme, já servindo os cálices.
João veio do escritório com seus óculos de leitura ainda sobre o nariz e um livro nas mãos; espiou para a mesa, fingiu não ter ouvido seu segundo nome – sempre sinal de assunto sério – e sentou no sofá.
– Opa, vamos comemorar mais um par de sapatos? – Provocou.
– Na verdade, não. Mas, não me importo nem um pouco de me exibir com o modelito. Até porque o senhor vai estar presente na ocasião da estréia – devolveu Denise, largando o cálice e indo calçar o novo par de sapatos.
Voltou em passos de desfile, carregando os dois envelopes.
– Gostou? – Perguntou retoricamente, ordenando as mãos e fazendo uma pausa dramática. – Senhor João Vitor, aqui, neste envelope, o senhor encontrará a relação de documentos necessários e o agendamento proposto para a estréia dos novos sapatos. Olhe com calma e veja se a data de seu casamento está de acordo com as possibilidades de sua agenda.
Diante do grande silêncio do surpreendido noivo, e antes que ele pudesse desviar o olhar, ou piscar, ela seguiu:
– E este aqui, por favor, examine com cuidado enquanto vou para o banho. É o resultado do meu HCG – falou baixinho, fugindo para a suíte.
Quando Denise voltou do banho, João Vitor, o futuro marido e pai, sentado no sofá, com os pés descalçados apoiados na mesa de centro, sorria largo, bebia vinho e lançava aviõezinhos de papel no ar.
– Acho isso fascinante – concluiu, antes de receber a esposa no colo.
Vitor Bertini
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Tudo ficção;
Atendo no balcão e acho que estou em extinção;
Lapão, durante vinte e um séculos, lamentou seu nome;
Na cidade, minha janela vê paredes;
O escritor chegou às 9 horas em ponto. Seus personagens é que resolveram não aparecer;
A tosse da Rose era famosa na repartição;
Cheio de promessas silenciosas – e com alguma timidez – me despeço. Bom fim de semana.