Confissão
#191 Quando os olhares do casal se reencontraram, o advogado buscava coragem.
CONFISSÃO
Homem de poucas palavras, habilidoso em seus silêncios, André bebeu um gole mais longo quando Maria Isabel, sua esposa há 20 anos, brindou agradecendo as flores.
Sorrindo, quieto como um confessor de si mesmo, André voltou-se para ver e confirmar com um apontar de cabeça, no centro da mesa da sala de estar, o buquê de rosas que ele não havia enviado.
– Aquele foi um dia especial – suspirou a esposa, – aquele buquê, como este, veio sem remetente. Adorei! – falou satisfeita, procurando em vão o olhar do marido.
André começava a juntar as peças. Naquela mesma noite, há exatos 25 anos, ele tinha dois compromissos: um jantar com seu futuro professor orientador em Heidelberg e a cerimônia de formatura da concorrida amiga de todos, a linda Maria Isabel. O bacharel foi jantar com o professor e mandou para o local da cerimônia, sem nenhuma identificação além do nome da agraciada, um enorme buquê de rosas.
– Você recorda do alvoroço que aquele buquê causou? Quer dizer, você soube depois. As flores e seu misterioso remetente, para uma turma de psicólogas! A pauta da festa! – Completou, agora rindo alto.
Com o marido calado e cortando nacos de queijo, ela seguiu narrando as lembranças:
– O Luisinho quase enlouqueceu! Aquele bobo querido. Quando descobriu que as flores eram suas, então… Sério, cheguei a pensar que ele iria brigar com você. Quem diria que virariam sócios! – falou, elevando o cálice mais uma vez.
– Luisinho… Sr. Luis Roberto de Almeida Bruges – balbuciou André, traindo seu silêncio, ignorando o novo brinde e ajustando os punhos da camisa.
No tempo da frase, a consciência de que a esposa ainda não sabia da recente dissolução litigiosa do escritório, nem do que seria capaz o rancoroso Luisinho, eterno e declarado admirador da sua Maria Isabel. Naqueles segundos, André, um ex-aluno marista, lembrando os anos de sociedade e das possíveis confidências trocadas, arrependeu-se de todos os seus pecados matrimoniais.
Quando os olhares do casal se reencontraram, o advogado buscava coragem. Estava disposto a tomar a iniciativa contra tudo o mais que seu ex-sócio poderia fazer, ou contar, e fazer um sincero discurso de contrição.
– Bel, meu amor… – começou, respirando fundo enquanto se inclinava para pegar a garrafa de vinho.
– Espera – interrompeu a esposa. – O que houve? Você ficou pálido! Está tudo bem? – Perguntou, afastando seu cálice.
Na hesitação de André, ela prosseguiu:
– Você não ficou assim só por eu ter brincado e repetido seu gesto, não é? Só comprei flores! Para comemorar!
Com o sorriso e a cor voltando ao rosto do marido, Maria Isabel continuou, reaproximando o cálice e esquentando o olhar:
– Aliás, fazia tempo que não enfeitávamos a vida com rosas, não?
– Maria Isabel, meu amor… eu ia dizer que te amo, que adorei a lembrança daquele dia e que, veja como são as coisas, estava com saudades de ver rosas na sala – concluiu André, voltando a administrar seus silêncios.
Vitor Bertini
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Assim sucedeu ao rei Luís XIV, moribundo, dizer: Quando eu era rei. Frase admirável.
— Stendhal, O vermelho e o negro