Cartões postais
#158 Chegou com olhos ansiosos, trazia uma caixa de sapatos nas mãos e me conduziu, ainda que em minha própria casa, para que sentássemos no jardim.
CARTÕES POSTAIS
Hoje é sexta-feira. Anteontem, quarta, Arlindo, velho amigo, veio me visitar.
Chegou com olhos ansiosos, trazia uma caixa de sapatos nas mãos e me conduziu, ainda que em minha própria casa, para que sentássemos no jardim.
Devidamente acomodados, justificou-se:
– Me perdoa a falta de aviso e a escolha do lugar mais reservado; você vai entender. Primeiro, como você sabe, sou seu atento leitor. Aliás, desde sempre. Em segundo lugar, também desde sempre, não sei se você vai lembrar, terças são meus dias de feira.
– Claro, claro – respondi, lembrando mais da rotina de compras do que de qualquer sinal de leituras.
– Então… – prosseguiu ele, retomando o fôlego – ontem, não foi diferente: fui à feira. Comprei frutas e verduras, experimentei queijos, não reclamei da vida, almocei meu costumeiro pastel de carne e ovo e fui à banca de revistas tomar café ruim – a minha sobremesa – e jogar conversa fora. Na banca, atraído pelas imagens das pinturas, barganhei, por vinte reais, esta caixa cheia de velhos cartões-postais. – Concluiu, apontando e abrindo a caixa que havia colocado entre nós.
Os cartões estavam ordenados cronologicamente e cada um deles contava uma pequena história. Todos haviam sido postados para o mesmo endereço, todos eram assinados pela inicial M. e todos tinham como destinatário, simplesmente, a palavra “Pai” – que, pelo depoimento do Arlindo, devia estar morto. Todos tinham sido devolvidos: endereço não localizado.
Autorizado pelo meu olhar curioso, Arlindo prosseguiu:
– Agora, veja este – falou, alcançando o último cartão.
Meio amassado, cheio de carimbos, no verso de uma reprodução da Noite Estrelada, de van Gogh, tinha só uma frase: “Pai, sobrevivi.”
Como os outros, havia sido devolvido. A diferença é que este tinha, em tinta verde e caligrafia decidida, uma linha de resposta: “Filho amado, eu não.”
– Bertini, lembrei da tua história O canto da sereia. Li este postal há pouco, me arrepiei e corri pra cá. Não sei, não acredito nessas coisas. Sei lá... Você tem algo a ver com esses cartões?
– Com certeza, não – respondi, puxando a coleção para o meu colo e guardando o último postal.
Em silêncio, Arlindo coçou a cabeça, ajustou os óculos e ficou, durante uma respirada mais longa, olhando para a caixa que comprara na feira. Depois, já de pé, me deu um abraço, disse obrigado por tudo e foi embora.
Preciso ler as histórias nos cartões.
Vitor Bertini
O altruísmo recíproco vai salvar a humanidade.
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A sabedoria, pobrezinha
No fundo da sala
Cala.
– Vitor Bertini, Tempos I, Hai-Kais
Obrigado por tudo.