Olá.
Ano Novo – aprecie sem moderação.
Com faunas, frases, muitos goles, queijos e beijos, boa leitura e boas festas.
CAFÉ DA MANHÃ
Bruna aguardava, com a sinistra paciência dos jacarés, uma alma inocente que lhe trouxesse café na cama.
Lembrou que Marcelo provavelmente já havia saído para trabalhar e que ela havia dispensado os serviços da Constanza. Lembrou também que não existia nenhuma Constanza. Pelo menos não a seu serviço.
Resistiu. Os jacarés são assim, couro duro. É preciso honrar a natureza e esperar. Nenhum movimento em vão.
Cheiro de café é mais ou menos como uma sexta-feira: anuncia algo que nunca será, exatamente, como as expectativas geradas - mas é, em si, uma maravilha. Bruna não sabia onde havia lido isto. Sua memória era ótima. Faltava o café.
Olhando reto para a frente, aos pés da cama, sobre a herança da primeira viuvez da tia Norma - “filha, não é um banco, é um lindo récamier”, um amontoado de roupas brancas e sua bolsa mais vistosa.
Olhando para o lado, Bruna não via sombra, nem o menor sinal de movimento, na luz que vazava por baixo da porta do quarto. Melhor não mexer a cabeça.
Na penumbra do dormitório, a rua fazia mais silêncio do que o normal; o zumbido nos ouvidos aumentava de olhos fechados, os pés latejavam e o incômodo no pescoço revelou-se um colar.
Dona Nair, a vizinha de cima, foi ao banheiro. Lamentável. Protegendo-se, Bruna puxou o lençol à altura dos olhos.
Jacarés hibernam quatro meses. Bruna, sem café, com dores generalizadas e sem conseguir achar seu celular, começou a recordar o que já sabia: a festa de réveillon na casa da tia Norma.
Convidados, muitos convidados. Pessoas elegantes, bonitas, sinceras. Outras, só pessoas. Música, muita dança. Comida e bebida. Muita bebida.
Ano passado tia Norma havia cancelado, em nome da saúde de todos, as comemorações. Este ano, não. Este ano teve festa, e disseram que ia ser com o valor de duas. Muita gente - meu Deus, que coisa boa. Abraços e beijos. Muitos.
Tudo ia bem demais, até a biblioteca já rodava, quando alguém gritou:
– Aproveitem, no próximo réveillon pode ter isolamento social. De novo!
– Então, um com o valor de três! – Foi a resposta que se ouviu.
A festa ficou ainda melhor.
Jacaré tem vida longa e boa memória. Era o primeiro dia de janeiro do novo ano. Feriado.
No caminho da cozinha, Bruna achou seus sapatos e o celular já sem bateria. Lembrou que era solteira e que o Marcelo tinha viajado, para não voltar, havia três anos. Precisava café.
– Vai ser um longo ano.
Vitor Bertini.
Lembrou de alguém?
O quê? Já é 22? Aqui, é ficção;
A próxima história, só no ano que vem. Dia 7, tá?
Mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão vermelho perdido por aí.
FATIAS DE LIVRO
Um dia, pouco tempo atrás, escrevi:
Reza a lenda que o escritor americano Ernest Hemingway, Nobel de Literatura em 1954, ganhou um belo dinheiro de seus colegas de profissão apostando na possibilidade de contar uma história completa usando apenas seis palavras: “Vendem-se sapatos de bebê. Nunca usados.”
– Profeflor, A História da Sexta, Vitor Bertini (clique para ler)
Vocês conhecem a Germana? Então:
nunca digam
desta mágoa
não beberei– Inscrição para uma mesa de bar, Eletrocardiodrama, Germana Zenettini, Laranja Original, 2016
Pois viver deveria ser - até o último pensamento e derradeiro olhar - transformar-se.
– Lya Luft (15 setembro 1938 – 30 dezembro 2021)
Café da manhã