Solo do Brasil, outubro de 2022.
No dia 29 de outubro do ano passado, preocupado, publiquei e distribuí a História da sexta com os textos que reproduzo abaixo. De lá para cá, a coisa só piorou. Muito.
Penso, escrevo. Falo, não calo.
Nos versos de um cantor que virou soldado, a inspiração e o grito rouco de um poeta manco, em um momento tão bruto da vida de todos nós.
– Vitor Bertini, um ano atrás.
Entre preocupações e esperanças, páginas, goles e um beijo, boa leitura e bom fim de semana.
Me pediram pra deixar de lado toda a mesura, pra só trazer alegrias e não falar de censura. E mais, prometeram que se eu escrevesse feliz, agradava com certeza. Eu que não posso enganar, misturo tudo o que vivo. Escrevo sem competidor, partindo da natureza do lugar onde nasci. Faço versos com clareza, à rima, belo e tristeza. Não separo dor de amor. Deixo claro que a firmeza de meu verso vem da certeza que tenho, de que o poder que cresce sobre a censura e faz do medo riqueza, foi quem me fez escritor.
CREDO
Eu acredito que é difícil matar uma ideia porque ideias são invisíveis, contagiosas e se movem rápido.
Eu acredito que você possa elaborar suas próprias ideias contra ideias que você não gosta. Que você deva ser livre para argumentar, explicar, esclarecer, debater, ofender, insultar, enfurecer, zombar, cantar, dramatizar e negar.
Eu não acredito que queimar, assassinar, explodir pessoas, esmagar suas cabeças com pedras (para deixar sair as más ideias), afogá-las ou até mesmo derrotá-las funcionará para conter as ideias que você não goste. Ideias brotam onde você não espera, como ervas daninhas, e são igualmente difíceis de controlar.
Eu acredito que reprimir ideias, espalha ideias.
Eu acredito que pessoas, livros e jornais são recipientes para ideias, mas que queimar as pessoas que detêm as ideias será tão malsucedido quanto bombardear os arquivos dos jornais. Será tarde demais. É sempre tarde demais. As ideias já estão lá fora, escondidas atrás dos olhos das pessoas, esperando em seus pensamentos. Elas podem ser sussurradas. Na calada da noite, podem ser escritas nas paredes da cidade. Ideias podem ser desenhadas.
Eu acredito que ideias não precisam ser corretas para existir.
Eu acredito que você tem todo o direito de estar convencido que as imagens de deus, profeta ou humano que você reverencia são sagradas e indefiníveis, assim como eu tenho o direito de estar convencido da santidade do meu discurso e da sacralidade do meu direito de zombar, comentar, argumentar e falar contra.
Eu acredito que tenho o direito de pensar e dizer coisas erradas. Acredito que sua solução para isso deveria ser discutir comigo ou me ignorar, e que eu deveria poder usar a mesma solução para as coisas erradas que acredito que você pensa.
Eu acredito que você tem o direito absoluto de pensar coisas que considero ofensivas, estúpidas, absurdas ou perigosas, e que você tem o direito de falar, escrever ou divulgar esses pensamentos, e que eu não tenho o direito de matá-lo, mutilá-lo, feri-lo ou tirar sua liberdade ou propriedade só por quê considero suas ideias ameaçadoras, insultantes ou totalmente repugnantes. Você provavelmente também acha o mesmo de algumas das minhas ideias.
Eu acredito que na batalha entre armas e ideias, as ideias acabarão vencendo. Porque as ideias são invisíveis, ficam andando por aí e, às vezes, podem até ser verdadeiras.
Eppur si muove: contudo, se move.
The View From Cheap Seats, Neil Gaiman, William Morrow - An Imprint of HarperCollins Publishers
– Preço?
– Liberdade não tem preço.
Ao brasileiro Geraldo Pedrosa de Araújo Dias - Geraldo Vandré, peço vênia e perdão por ter mexido em verso tão definitivo;
Ao inglês Neil Gaiman, autor do Credo, minha homenagem e agradecimento pelo involuntário empréstimo. A tradução é home-made e o texto diz respeito ao massacre acontecido na redação do jornal francês Charlie Hebdo, em 7 de janeiro de 2015;
A prometida edição extraordinária sobre o Substack ainda virá. My bad;
Sexta-feira, dia 28, se não pintarem uma estrela em minha porta, tem mais.
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No meio disso tudo, A história da sexta quer virar um livro. Melhor, no meio disso tudo A história da sexta vai virar um livro. Ainda melhor, A história da sexta vai virar um livro e você pode participar: existe um financiamento coletivo aguardando quem clicar na dona Nair.
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