Olá.
Hoje é sexta-feira, a vida é simples e uma só - aproveitem sem moderação.
PS: gostei da lápide: “Então era isso?”
Entre páginas, queijos, conhaques e beijos, boa leitura e bom fim de semana.
BODAS DE PRATA
– Minha filha, vou publicar um bloque.
– Ai, meu Deus.
Dona Gabriela era separada, funcionária pública aposentada e mãe da Bea. Tinha um apartamento na cidade, uma casa na praia, um Honda Civic bem conservado, três cachorros, uma disposição infinita e um telefone celular.
– Mãe, não é bloque, é blog.
– Que seja. A Irene vai me ajudar.
Bea, a arquiteta Beatriz, era a única filha do casamento entre dona Gabriela e seu Moacir - de quem quase não tinha notícias. Nunca brigaram, a filha e o pai. Só não se falavam.
Recém casada, Bea dividia seu tempo entre a ascendente carreira profissional, o marido, mil outras coisinhas e a autoimposta supervisão dos haveres da mãe.
– Mãe, não inventa moda.
– Não inventei nada, foi você quem me deu este celular.
– Mãe, o que uma coisa tem a ver com a outra?
– Anos atrás, você proibiu a comemoração de minhas Bodas de Prata. Depois, boicotou meus bailes com a Irene e vetou dirigir até a praia. Agora esta?
Gabriela, no seu tempo de funcionária, era chefe de departamento, e, ainda assim, não suportava o café da repartição. Ia tomar café no Bar da Esquina. Duas vezes ao dia. Sempre. Moacir era amigo do dono do bar.
Um ano de cafés, nenhuma saída, nenhum jantar, nenhuma visita familiar, nenhum encontro fora do bar e muitas conversas no balcão. Um dia, Moacir resolveu especular:
– E se a gente casasse?
– Pode ser. A festa vai ser boa. Vamos, sim.
Moacir entrou com o corpo.
Cinco anos e uma filha depois, na noite de uma quarta-feira qualquer, Moacir avisou Gabriela que ia dar uma saída e comprar uns chocolates. Nunca mais voltou. Quando Gabriela juntou coragem para mais um café no Bar da Esquina, Moacir estava lá.
– Acho que a gente deve assinar a separação – falou o ainda marido, coçando a cabeça.
– Pode ser. Quer que eu providencie os papéis?
Gabriela nunca mais pôs os pés no Bar. Nunca mais se viram.
Dezenove anos mais tarde, feliz, dona Gabriela lavava a louça da festa enquanto a aniversariante, sentada à mesa da cozinha, já de chinelos, enchia um copo de cerveja.
– Seus vinte e três anos foram bem comemorados! Parabéns, minha filha. Ficou linda a festinha.
– Ficou bom, né? Obrigada pela ajuda, mãe.
– Pois é… estava aqui pensando…
– Pensando em?
– Acho que ano que vem podemos fazer outra festa. Grande!
– No estado em que me encontro não consigo pensar em outra festa. Depois, vinte e quatro anos não tem nenhum significado especial.
– Vinte e cinco, minha filha.
– Mãe, hoje foi vinte e três. Você não bebeu.
– Bodas de Prata é vinte e cinco!
– Bodas de quem, mãe?
– Minhas, ora. Vinte e cinco anos do casamento com o Moacir, seu pai. O que você acha?
– Você bebeu e eu não vi. Só pode ser isso.
– Filha, quero celebrar vinte e cinco anos do dia em que casei.
– Mãe, você não fala com o pai, ao que eu saiba, há dezenove anos. E, também ao que eu saiba, até irmãos eu tenho.
– Todos convidados!
Irene trabalhava na casa da família de dona Gabriela, fora madrinha de seu casamento e, havia muito, virara amiga. Só amiga. Irene estava aposentada e ia a bailes da terceira idade.
– Vai Irene, bate a foto logo. Põe o dedo no círculo branco que tem aí na tela.
– Gabriela, a Bea vai ficar incomodada. Ela só liberou os bailes. Fotos?
– Irene, eu troquei os bailes pelo bloque. E o que ela proibiu foram selfies. Você não é selfie, você é fotógrafa. Bate logo.
Vitor Bertini
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Ontem, tudo por aqui era ficção; hoje, também.
Sexta, dia 30, tem mais.
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