Vitor Bertini

Vitor Bertini

Share this post

Vitor Bertini
Vitor Bertini
Bodas de prata
A história da sexta

Bodas de prata

#129 E se a gente casar?

Vitor Bertini's avatar
Vitor Bertini
Jan 13, 2023
∙ Paid
5

Share this post

Vitor Bertini
Vitor Bertini
Bodas de prata
Share

Noch Unter Zensur, 13 de janeiro de 2023.

Olá.

A palavra editar tem dois significados: o de publicar alguma obra por algum meio de impressão ou reprodução, e o de envolver-se em uma luta corporal com parágrafos, frases, palavras, vírgulas ou pontos só para ver quem cansa primeiro.

Editar é a atividade desse autor nas próximas semanas. Essas histórias vão virar um livro.

Com o céu coberto de flechas, combatendo à sombra, fica o doce convite para você conhecer e participar do projeto, clicando aqui. Aos que já vieram, muito obrigado.

Segue o baile.

BODAS DE PRATA

– Minha filha, vou publicar um bloque.
– Ai, meu Deus. 

Dona Gabriela era separada, funcionária pública aposentada e mãe da Bea. Tinha um apartamento na cidade, uma casa na praia, um automóvel quatro portas, três cachorros, uma disposição infinita e um telefone celular.

– Mãe, não é bloque, é blog.
– Que seja. A Irene vai me ajudar.

Bea, a arquiteta Beatriz, era a única filha do casamento entre dona Gabriela e seu Moacir – de quem a filha quase não tinha notícias. Nunca brigaram, a Bea e o pai. Só não se falavam. 

Recém casada, a arquiteta dividia seu tempo entre a ascendente carreira profissional, o marido, mil outras coisinhas e a autoimposta supervisão dos haveres da mãe.

– Mãe, não inventa moda.
– Não inventei nada, foi você quem me deu este celular.
– Mãe, o que uma coisa tem a ver com a outra?
– Um dia, você proibiu a comemoração de minhas Bodas de Prata e não parou mais de querer gerenciar minha vida: já me proibiu de dirigir até a praia, boicota minhas idas a bailes junto com a Irene e até começou a ler meus exames antes do que os médicos. Agora, mais esta? 

Gabriela nunca suportou o café da repartição. Ia tomar café no bar do Zé, o Bar da Esquina. Duas vezes ao dia. Sempre. Moacir era amigo do Zé e cliente frequente.

Um ano de cafés, sorrisos e olhares, nenhuma saída, nenhum jantar, nenhuma visita familiar, nenhum encontro fora do bar e muitas conversas no balcão. Um dia, Moacir resolveu especular:

– E se a gente casar?
– Pode ser. A festa vai ser boa. Vamos, sim.

Moacir entrou com o corpo. 

Cinco anos e uma filha depois, na noite de uma quarta-feira qualquer, Moacir avisou Gabriela que ia dar uma saída e comprar uns chocolates. Nunca mais voltou.

Quando Gabriela juntou coragem para mais um café no Bar da Esquina, Moacir estava lá:

– Acho que a gente deve assinar a separação – falou o ainda marido, coçando a cabeça.
– Pode ser. Quer que eu providencie os papéis? 

Gabriela nunca mais pôs os pés no bar do Zé. Nunca mais se viram.

Dezenove anos mais tarde, animada, dona Gabriela lavava a louça da festa enquanto a aniversariante, sentada à mesa da cozinha, já de chinelos, enchia mais um copo de cerveja.

– Seus vinte e três anos foram bem comemorados! Parabéns, minha filha. Ficou linda a festinha.
– Ficou bom, né? Obrigada pela ajuda, mãe.
– Pois é… estava aqui pensando…
– Pensando em…?
– Acho que ano que vem podemos fazer outra festa. Grande!
– No estado em que me encontro não consigo pensar em outra festa. Depois, vinte e quatro anos não tem nenhum significado especial.
– Vinte e cinco, minha filha.
– Mãe, hoje foi vinte e três. Você não bebeu, né?
– Bodas de Prata é vinte e cinco!
– Bodas de quem, mãe?
– Minhas, ora. Vinte e cinco anos do casamento com o Moacir, seu pai. O que você acha?
– Você bebeu e eu não vi. Só pode ser isso.
– Filha, quero celebrar vinte e cinco anos do dia em que casei.
– Mãe, você não fala com o pai, ao que eu saiba, há dezenove anos. E, também ao que eu saiba, até irmãos eu tenho.
– Todos convidados!

Irene trabalhou anos na casa da família da Gabriela, tinha sido madrinha de seu casamento e virara amiga. Só amiga. Irene estava aposentada e ia a bailes da terceira idade.

– Vai Irene, bate a foto logo. Põe o dedo no círculo branco que tem aí na tela.
– Gabriela, a Bea vai ficar incomodada. Ela só liberou os bailes. Fotos?
– Irene, eu troquei os bailes pelo bloque. E o que ela proibiu foram selfies. Você não é selfie, você é fotógrafa. Bate logo.

Vitor Bertini

Lembrou de alguém?

Share

  • Tudo ficção, menos o papo sobre o livro;

  • Quem participar do financiamento coletivo do livro com essas histórias, ganha uma assinatura anual desse hebdomadário;

  • Para quem não perguntou, eu diria que a área de assinantes é uma espécie de paraíso onde as vírgulas são menos vigiadas e as ideias podem ser só ideias.

This post is for paid subscribers

Already a paid subscriber? Sign in
© 2025 Vitor Bertini
Privacy ∙ Terms ∙ Collection notice
Start writingGet the app
Substack is the home for great culture

Share