Guava, 12 de agosto de 2022.
Em uma fase botânica, meus votos – parece que não existe outra coisa – de um fim de semana repleto de histórias, comidinhas, bebidas e beijos.
Boa leitura.
BICHO DA GOIABA
Quando Olita entrou no ônibus, todos sabiam que ela carregava uma sacola com goiabas.
– Hoje é pro santo ou pra patroa? – Perguntou seu Paulo, o motorista de calças arregaçadas, ainda de pé ao lado de seu assento, esperando a hora de começar o itinerário.
– Você é patrão ou santo? – Respondeu Olita, fingindo seriedade, enquanto depositava duas frutas nas mãos estendidas do motorista.
A famosa “goiabeira da Olita” tinha vinte anos de idade, seis metros de altura e produzia goiabas três vezes por ano.
– Faz assim: poda todos os galhos que brotaram no ano, menos dez, e ensaca as frutas uma a uma. O saquinho pode ser esses de pipoca mesmo, só cuida para que sejam dos encerados, para escorrer a água da chuva – respondia orgulhosa, sempre que perguntada. – Aprendi com meu falecido Vôswaldo. – Concluía, baixando o olhar.
Nas três colheitas, as frutas tinham destino e prioridades de entrega bem definidas: a paróquia de São Benedito, a casa da patroa Dora, amigos e vizinhos e, só depois, a própria casa. Na patroa e na igreja, viravam goiabada. A receita e seu modo de preparo, quase uma liturgia, eram segredos que a dona da goiabeira não contava.
Apesar de sempre cochilar já nas primeiras sacolejadas do coletivo, Olita, orientada pelos sons das ruas, cheiros, ou pelas conversas entre os passageiros, nunca perdia seus pontos de descida: na viagem de ida, primeiro a paróquia; mais longe, o bairro da patroa.
Naquele dia, mesmo de folga, a goiabada seria feita na casa da dona Dora.
E foi assim, sacolejando, cochilando e sentindo o cheiro de suas goiabas que ela sonhou com seu Vôswaldo. No sonho, a imagem do homem que ensinou a neta a podar e cuidar de goiabeiras mantinha estranhos diálogos com passageiros reais:
– Escova progressiva? – Perguntava a moça de roupas justas.
– O que é isso? – Respondia o avô, arregalado os olhos.
– Só se fala do frio. Frio pra caramba. Muito frio – repetia alguém sentado no banco de trás, misturando os assuntos.
– Frio? – Ecoava a voz do avô, sem que a imagem parecesse falar.
Olita começou a despertar quando a fisionomia contrariada de seu avô pareceu voltar-se para uma mulher que ralhava com uma menina:
– Não, não peça nada, minha filha. Estas frutas, dessa gente, são sempre ruins e tem bichos.
No último momento do sonho, o avô afastava-se:
– Lita, vamos embora.
– Vô, nossas goiabas não tem bicho! – argumentava a neta, falando com a imagem que já caminhava à distância e parecia não mais ouvir.
Acordada, aborrecida, Olita levantou-se, apertou o botão sinalizando que queria descer, escolheu uma goiaba e alcançou para a criança:
– Toma, filha. Perdoa sua mãe, ela não sabe o que diz.
Olita desceu muito antes do ponto que queria. Nesta folga, contrariando a regra, a goiabada seria feita na casa paroquial.
No caminho do ponto até a igreja, a neta ainda ouvia a voz de seu Vôswaldo:
– Lita, bicho da goiaba nasce na goiaba, se alimenta de goiaba, vive na goiaba. Bicho da goiaba protegida em saquinho, é goiaba!
Vitor Bertini
TAKE A PEEK
Ainda ouviremos tantas coisas sobre Georgy Butka quanto o número de dedos de um homem, menos um. No entanto, por hora, basta sabermos que Butka era açougueiro, lia Babel, ouvia clássicos, enxugava as próprias lágrimas e, jogando nacos de carne na calçada, alimentava cães.
– Excerto de Não me abandone, Vitor Bertini, Esquina do Lombas
Por aqui, tudo é ficção; nenhuma palavra em vão;
Esse hebdomadário perdeu seu cavalo, continuou andando, viu a miragem das flores e vai parir um livro;
Vender é contar histórias é uma palestra em construção;
Antiga mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão verde ou convite em espanhol perdidos por aí.
✊👏