Kyoto, 29 de julho de 2022.
Música popular brasileira, jazz, café, vinho, livros, chocolate, futebol e afetos: jeitão de fim de semana, não?
Bjs e boa leitura.
A ESTRANHA CARTA QUE RECEBI
A carta:
Olá, Bertini.
O conteúdo desta carta não é nada muito importante. É apenas uma curiosidade e eu gostaria de poder contá-la pessoalmente. Mas, como a vida é corrida, segue breve relato.
Minha família tinha uma tia-avó que morava em Capela de Santana, lá no Rio Grande do Sul. Seu nome era Elza, Tia Elza.
Tia Elza ocupou seus últimos meses de vida distribuindo bens de pouco valor material, coisinhas pessoais e conselhos.
– Para cada um, de acordo com cada um! – dizia ela, levantando o indicador e as sobrancelhas.
Do padre paroquial ao parente mais distante, todos foram contemplados.
Minha mãe, sobrinha dedicada, recebeu um baú de madeira cheio de lembranças pessoais. Quando perguntada sobre o conteúdo, dizia que o baú estava cheio de papel velho e miçangas e que a única coisa boa eram as alças de ferro do “diabo do baú”.
Como podes imaginar, dia desses, sem ter o que fazer de mais útil na vida, resolvi remexer no legado da Tia Elza. As ditas miçangas, velhos recortes de jornal, envelopes de correspondência pessoal, bichinhos de louça e alguns passadores de cabelo constituem a maior parte da herança. Em cima de tudo, com uma letra caprichada em um fino papel de carta, a frase: “Para cada um, de acordo com cada um”.
Nossa pauta começa quando, ao passar os olhos em um dos recortes de jornal me deparei com um anúncio fúnebre: “Convite para as exéquias de Vitor Bertini”. Simplesmente sorri pela coincidência.
Alguns centímetros a mais de exercício arqueológico e outro recorte aparece, esse conservando o nome da “Gazeta da Ilha do Rio dos Sinos” e com um anúncio de quarto de página dando conta do cancelamento do funeral, seguido da frase “Quem encontrar o Sr. Vitor Fernando Bertini é favor avisá-lo da existência de um envelope pessoal em poder do Sr. Ignácio, na Farmácia Liberal.” O anúncio é assinado por Elza Waalls – a Tia Elza!
Imediatamente voltei ao primeiro anúncio, agora com olhos de ler. Abaixo do nome diz que o tal Vitor é engenheiro eletricista, escritor e ex-socialista! A coincidência virou um arrepio.
Ainda meio incrédula e de olhar parado fui surpreendida pelo que me parecia impossível:
- Bertini, o envelope está aqui! Endereçado para o Sr. V.F.B., a remetente se assina E.W. e está fechado.
Você quer o envelope? Posso abri-lo?
Beijo. Saudades.
C.Z.F.
TAKE A PEEK
Outro fator importante foi a decisão que tomei no início da carreira, de eliminar a barreira técnica de ser um escritor japonês e trabalhar em pé de igualdade com os autores americanos. Eu mesmo procurei os tradutores dos meus livros, contratei-os, conferi pessoalmente a tradução e só depois mostrei esse material à agente para que negociasse com uma editora. Assim, a agente e a editora me trataram da mesma forma que tratam os escritores americanos. Ou seja, entrei no jogo não como um estrangeiro que escreve em língua estrangeira, mas como alguém que segue as mesmas regras e trabalha sob as mesmas condições dos escritores americanos. Antes de qualquer outra coisa construí esse sistema sólido por conta própria.
– Romancista como vocação, Haruki Murakami, Alfaguara, 2017
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SERVIÇO E PEQUENAS OBSERVAÇÕES
Por aqui, tudo é ficção. Lá fora, sei não;
O nome de uma das minhas redes de Wi-Fi é 1Q84, em homenagem ao livro homônimo do interessantíssimo escritor japonês Haruki Murakami;
O personagem Peter Cat em meu livro Não me abandone é japonês e dono da cafeteria do parque de diversões Odessa. Peter Cat era o nome do jazz bar do Murakami, seu trabalho antes de só escrever;
Leiam Haruki Murakami;
Por aqui, tudo é ficção; nenhuma palavra em vão;
Antiga mensagem na garrafa: você que chegou até aqui por curiosidade, gosto ou preguiça, ajude o autor clicando em qualquer botão verde ou convite em espanhol perdidos por aí.