Vitor Bertini

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A carta do Seu João
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A história da sexta

A carta do Seu João

#102 A placa na porta não deixava dúvidas: Dr. Carlos Sinovial Santos – Delegado de Polícia.

Vitor Bertini
Jul 8
7
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Terra dos Valentes, 8 de julho de 2022.

Olá.

Hoje é sexta-feira, e eu estou lendo As relações perigosas, de Choderlos de Laclos, em uma edição da Abril Cultural, 1971 – uma história de sedução, ciúmes e vingança entre membros da nobreza francesa, toda ela narrada através da troca de cartas.

Como vocês poderão conferir, Seu João – a seguir –, definitivamente, não é francês.

Entre mensagens e inspirações, goles e comidinhas, boa leitura e bom fim de semana.

A CARTA DO SEU JOÃO

A placa na porta não deixava dúvidas: Dr. Carlos Sinovial Santos – Delegado de Polícia. 

“Formosa dama. Permita uma breve apresentação meu nome é João Castanheira e sou o encarregado da obra do novo Colégio Santa Mathilde. Ali na subida da Rua Tristão. A razão que me permitiu vir trabalhar nessa cidade é a mesma que talvez me permita ficar sou viúvo. Dito isso sou honrado e franco – quis o destino quando achei que trabalhar era tudo o que de melhor podia acontecer na minha vida fazer com que meu alojamento seja duas quadras distante de sua janela na direção de quem vem ou vai para a Rua Tristão. No caminho do trabalho minhas manhãs não são mais as mesmas. Sua presença na janela, tudo enaltece. As tardinhas encontram a janela fechada quando se faz a escuridão. Não sei seu nome nem sua situação. Nunca vi outras pessoas na casa. Passo pontual as 7:00 horas da manhã carrego uma pasta preta uso chapéu claro e paletó mas acho que já me vistes. Com todo o respeito posso assinar Seu João como o pessoal da obra me chama. Ou seu João. Sorrir na minha passagem será sua resposta.”

– Li corretamente, seu João?
– Sim, delegado. Bem certo. Isso mesmo.
– E o senhor quer dar queixa do que exatamente, seu João?
– Doutor, eu não ofendi nem faltei com o respeito a ninguém. Como escrevi, sou um homem honrado. A surra que levei é ilegal. Quero dar queixa.
– Seu João, deixa eu lhe contar uma coisa: a senhora que enaltecia suas manhãs é casada e quem recolheu sua carta na caixa do correio foi o marido dela. O senhor deve dar graças a Deus que esteja vivo e falando. Nessa cidade, por muito menos, tem gente no cemitério.
– Com todo o respeito que o doutor merece, apanhei de vara, estou machucado, quase engasguei com a carta e tenho razão. Amanhã…
– Seu João, preste atenção: não vai ter amanhã. O senhor vai mudar seu caminho para a obra. Na ida, e na volta. Se eu souber que o senhor passou por lá novamente, eu é que vou lhe prender. Entendeu, seu João?
– Doutor, a minha carta…
– Seu João, a sua carta está com o nome da Santa escrito errado – não tem aquele agá – e foi endereçada para uma santa casada. A Santa solteira não gostou de ver seu nome errado e o marido da outra está bem brabo. Agora, para casa. Sua carta fica por aqui.

Inconformado, Seu João saiu da delegacia. Intrigado, o delegado foi reler a frase sobre as duas formas de assinatura propostas pelo apaixonado – a única vírgula ele já tinha atribuído à expressão “tudo enaltece”.

Na manhã seguinte, antes de ir trabalhar, Seu João ligou para o departamento jurídico da construtora. Tinha uma ação de prevaricação para propor, contra o delegado, junto à Corregedoria da Polícia Civil.

Seu João foi promovido para o cargo de Supervisor Regional na semana seguinte – em outra região.

Vitor Bertini

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Discutem os sábios
Sem certeza.
Os imbecis atacam
De surpresa.

– Bizâncio: 1960, Essa cara não me é estranha, Millor Fernandes, Boa Companhia

.

Terminou? Como assim?

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